segunda-feira, 25 de julho de 2011

Prazo estendido

Para comemorar a chegada do meu filho de uma viagem, ontem abri uma caixa de cervejas premium que mantinha cuidadosamente reservada em minha despensa. Coloquei algumas garrafas no congelador pela manhã, enquanto eu acelerava a preparação do almoço. A idéia era transferi-las para a geladeira assim que estivessem na temperatura adequada, portanto uns trinta minutos depois.
Enquanto finalizava a receita, embalado pelos acordes de John Coltrane, resolvi avaliar a bebida que serviria ao pessoal mais tarde. Uma delícia, refrescante, leve e saborosa. Nem mais nem menos do que eu esperava. Ao terminar a degustação daquele néctar dos deuses, cumpri o ritual de lavar a garrafa antes de separá-la para o lixo seletivo. Eis que me deparo com a data de validade no rótulo: 12/05/2011.
De imediato concluí pela impossibilidade de um produto tão delicioso estar vencido, impróprio para o consumo, por assim dizer. Só para confirmar bebi outra, não menos suculenta e prazerosa. O meu controle de qualidade acabara de aprová-la. Dentro da ética e dos princípios da boa mesa, avisei aos comensais sobre essa particularidade, deixando-os à vontade para outras opções de acompanhamento do prato. Afinal, sem grandes sofisticações, tratava-se de um almoço em família.
Após o almoço, satisfeito com a aceitação do cardápio e envaidecido pelo elogios ao cuidado com a preparação, me pus a refletir sobre a qualidade da cerveja, o vicejar de seu sabor, o seu tempo de maturação, sua curva de existência, seu declínio e seu fim. Isso impõe uma correlação com a existência humana que difere apenas pela indefinição prévia de data de término da validade.
Só o Grande Arquiteto do Universo conhece o nosso prazo de validade. Talvez nem lembre de tantos e, quem sabe por essa razão, alguns escapem da lista de chamada que Ele faz todo santo dia, a exemplo dos mestres que chamam por amostragem quando a turma é muito grande. O fato é que amadurecemos ao longo de nossa caminhada e, muitas vezes, justo quando estamos em nosso apogeu, somos considerados fora do prazo.
Torço que o “Degustador-mór” use o mesmo critério que eu, experimentando o sabor antes de considerar expirado o prazo previamente estabelecido. Sem provar não há como questionar a qualidade do produto. Se somos submetidos a provas diárias e exigentes, nada mais sensato que tivéssemos a oportunidade de demonstrar ao Criador a manutenção de nossas propriedades.
Então, fica a modesta sugestão, sem direito a retaliar, por favor. Nesse sentido, peço a ajuda de São Cristóvão, padroeiro da boa direção, que está mais próximo e é o homenageado do dia. Caso haja discordância da parte de Quem faz as chamadas diárias, prefiro esperar muito tempo ainda pela lembrança do meu nome. Mesmo com algum amargor, garanto que sou encorpado e tenho refinado sabor. Na dúvida, sugiro a degustação. À distância, evidentemente.

2 comentários:

  1. Isso numa escala profissional, não deveria ocorrer com frequência mas, parafraseando, "amadurecemos ao longo de nossa caminhada e, muitas vezes, justo quando estamos em nosso apogeu, somos considerados fora do prazo".

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  2. Você tem razão, Marcos, em se tratando de gente como nós. No caso do norueguês maluco, ele bem que poderia ter nascido no Alabama ou no Texas, onde o descarte seria mais rápido. Lembro ainda que hoje foi vendida uma garrafa de vinho fora de prazo de validade por R$ 189 mil. Saúde, Alexandre, Gustavo e família (Roberto Pinto)

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