sexta-feira, 8 de julho de 2011

A missão de quem escreve


O universo de quem escreve é complexo como a natureza humana. A percepção do escritor, transposta para o texto como lente fotográfica, registra tanto as paisagens mais sublimes quanto as cenas mais trágicas possíveis de testemunhar.
Nada escapa à narrativa, desde a tonalidade da cor dos olhos até o vestir andrajoso de uma personagem, passando pelos detalhes da mobília do ambiente à aridez do cenário.
O comportamento inusitado e o padrão se misturam recorrentemente, dependendo da visão de quem cria e da linha a ser desenvolvida. Enfim, trata-se de um mosaico de possibilidades, refletindo a convulsiva mente humana no processo de criação e as expectativas mais heterogêneas do leitor.
A inspiração de quem escreve é saber que o conteúdo de sua obra transcenderá as suas abstrações, impregnando o inconsciente coletivo, eternizando seu pensamento e perenizando seus tipos, imaginários ou não.
A missão de quem escreve se mostra singela e única. Cabe-lhe compartilhar o conteúdo com o desconhecido, nas referências mais profundas e pessoais que a verve propicia, semeando o conhecimento e a informação de forma despudorada, democratizando o seu eu. Mesmo as narrativas ficcionistas revelam traços mais íntimos, conceitos arraigados que emergem apenas quando traduzidos impulsivamente no frasear irrequieto do autor.
Esse comportamento permissivo do escritor, desnuda a sua privacidade e admite que o leitor assuma ares de cumplicidade, muitas vezes alterando a lógica do texto pela interpretação pessoal de quem lê.
É, portanto, uma missão prenhe de altruísmo e despojamento, que tem como pré-requisito uma alma nobre e uma visão coletiva especial.
No que se refere à forma, por se revestir da responsabilidade de quem dissemina e da dignidade de quem constrói, exige o inalienável compromisso com a perfeição no trato do idioma e com a estética do redigir. Tal preocupação não deve se sobrepor à mensagem, mas aliar-se a ela, produzindo uma obra que ofereça ao leitor a dualidade da revelação e do conhecimento lingüístico na mesma proporção. Um texto mal redigido se assemelha a uma rara flor num vaso quebrado, a uma pedra preciosa mal polida, a uma beleza que não resplandece.
Pode ser um desabafo, um alento ou uma forma de confessar que viveu, como disse um dos grandes nessa arte. Antes de qualquer coisa, trata-se de uma catarse, uma experiência talvez mediúnica.
Quem sabe por isso se atribua a Deus o primeiro verso ou a primeira linha. O restante se desenvolve.

Nenhum comentário:

Postar um comentário