segunda-feira, 18 de julho de 2011

LUBLIN e MAJDANEK

Hoje tomo a liberdade, com a devida autorização, de reproduzir aqui nesse espaço um texto que recebi de um grande amigo meu, Oscar Goldemberg. Trata-se de uma pérola escrita pela filha dele, a querida Luiza Goldemberg, em viagem pela Polônia no momento. Nada a acrescentar ao tocante relato feito pela Luiza, a não ser o agradecimento por compartilhá-lo conosco. Assim, disponibilizando o texto no blog, amplio a gentileza que o Oscar e a Luiza tiveram comigo.
"Lublin, coração do povo judeu e do movimento racídico. Aqui viviam 43 mil judeus (30% da população) e hoje não os vemos mais. Foram dizimados pelos nazistas. Visitamos o antigo cemitério judeu racídico, vimos suas lápides e aprendemos um pouco mais sobre esse movimento que rompeu com outras correntes. Por outro lado, no cemitério novo não há mais lápides, pois os nazistas as retiraram para as fazer de chão nos campos. Isso mesmo, o mesmo chão que os judeus pisavam nos campos lá fora, talvez a lápide de um parente, um amigo ou um conhecido. Em seguida ao cemitério, visitamos a Yeshivah e o antigo gueto, no qual pudemos observar casas lindas já reformadas e um antigo orfanato onde as crianças foram brutalmente fuziladas. Incrível pensar como é possível.
Majdanek, tudo é original e ninguém quer entrar. Por isso, somente uma cerca exterior basta. O monumento gigantesco na entrada nos dá as boas vindas e coloca em nossos ombros o peso desse lugar sombrio, embora coberto de verde e flor. Descemos a rampa, caminhamos entre pedras e subimos escadas; “Tão fácil entrar em Majdanek, mas como é difícil sair daqui”.
Aqui a vida e a morte estão lado a lado. Tudo começou como um campo para prisioneiros soviéticos e acabou com o extermínio de aproximadamente 80 mil judeus. Era tudo pântano, cor marrom, feio, cheio de lama; hoje vemos verde, flores e animais, elementos que se existissem naquela época teriam servido para, pelo menos, enganar a fome alarmante que dominava os corpos daquelas pessoas que lá estavam.
Vamos entrando e conhecendo cada parte desse terror. A barraca de desinfecção, logo na entrada, não me causou grandes emoções. Acho que ainda não conseguia sentir o que se passava. Outros sentiram, alguns choraram, mas todos de alguma forma ali se solidarizaram com as vidas que, divididas por uma porta somente, foram selecionadas para mais um dia na Terra. E se eles pudessem escolher por qual porta sair? Infelizmente não lhes foi dada a opção.
Adiante estavam os armazéns e me deparei com o que mais temia e duvidava: os sapatos. Ao entrar senti o odor. Um cheiro diferente e misturado de madeira, suor, lama e dor. Impossível contabilizá-los! Todos ali, na minha frente, amontoados em grades com 120 metros de comprimento, 2 metros de largura e 1,8 metro de altura. A pilha era maior que eu e cada um representava uma vida que já não existe mais. A princípio, não era possível distingui-los, mas andando nos corredores podíamos ver os detalhes de cada um, imaginar como era o seu dono, sentir a presença e o desespero ali presente, a cada passo dado. Não quis nem me aproximar muito das colunas maiores, sentia que cada sapato era um braço e uma mão estendida pedindo ajuda, tentando contato através das grades. Por fim, encontrei um sapatinho menor que a minha mão. Era de uma criança que consegui imaginar perfeitamente e tive o privilégio de lhe tocar e fazer um carinho através do seu sapato. E eu sei que, não importa onde sua alma está, ela sentiu esse carinho terno e sem pena, um carinho que talvez essa criança não tenha recebido em vida. “Nós somos de alguma forma os sapatos que ficaram” e não podemos deixar esses sapatos perderem sua vida. “Já vimos crianças sem sapatos, mas sapatos sem crianças foi a primeira vez”.
Aqui muitos morreram. Olho em volta e vejo os homens trabalhando, magros e sem cabelos. As flores daqui, por mais belas que sejam, não conseguem abafar a tristeza nem a escuridão existente. A cada passo me sinto mais dentro desse mundo bizarro.
Agora chegamos aos barracões, vi as camas e senti a mesma coisa que com os sapatos. Tenho medo de tocar e perturbar quem ali dormia, assim como tenho medo de chegar perto e sentir os corpos. Ouço os rugidos de fome e dor. Horrível. Até o calor aqui dentro, no verão, é insuportável. Sento-me ao chão, mas não tenho coragem de ficar de costas para as camas, de dar as costas para isso tudo. Ouvimos histórias e percebemos que ali se viviam duas guerras, uma com os nazistas e outra com os outros prisioneiros, mas essa era pra sobreviver. Lutava-se por um lugar para dormir, por um prato de sopa ou por um lugar na fila.
Por fim, chegamos ao monumento de sete toneladas de cinzas. Cinzas dos corpos queimados nos fornos logo à frente. Percebi que essas almas não estão aqui. Elas não andam pelo campo porque aqui elas não existiram. Essas se marcam presentes em cada objeto, nas camas e nos sapatos, porém há de se estar perto para sentir, pois já estavam tão fracas que não se pode percebê-las ao redor. Cada flor aqui é uma vida. Uma vida que aqui se transformou, saiu de um corpo que sofre para uma memória e para outra forma de vida. Espero que, pelo menos agora, eles estejam livres e em paz."

Um comentário:

  1. Ter sensibilidade é a única forma de vencer a imbecilidade do ser humano. Parabéns à Luiza.

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