quarta-feira, 13 de julho de 2011

Nem tudo que reluz é ouro

Nada melhor do que um dia após o outro, diz a minha sábia mãe. Vemos acontecerem coisas tão inacreditáveis e consideramos não haver mais a menor perspectiva de surpresa, quando de repente algo nos surpreende. Assim a vida vai seguindo seu rumo interminável, mudando apenas as personagens e as épocas. O preço cobrado por ela é a substituição dos céticos por quem ainda não experimentou o inusitado de suas revelações.
Nessa linha de raciocínio, há uns vinte anos eu acompanhei bem de perto o lançamento do serviço de telefonia móvel. Na verdade, fui um dos primeiros usuários, por dever de ofício. A novidade me transformou num ET de terno e gravata ou num agente secreto nem tão secreto, chamando a atenção com uma espécie de maleta que trazia acoplado um aparelho de telefone. Passei a conseguir falar com quem quisesse, onde estivesse, sem precisar do telefone público. Sensacional!
Rapidamente, a lei da mão e contramão sacudiu a minha lógica. Passei a ser localizado em qualquer lugar e em qualquer horário, exceto quando a interrupção do sinal impedia. Desde então essa desculpa vale para o fato do aparelho ser desligado por conveniência. A novidade estendeu de forma absurda a minha rotina, me deixando mergulhado em preocupações até então limitadas.
Lembro de ter lido um artigo tratando das inúmeras vantagens daquela parafernália que eu carregava, em especial por encurtar distâncias e acelerar decisões. A falácia maior daquele texto dava conta do enorme ganho de tempo, intermináveis momentos destinados ao lazer e ao descanso. Ledo engano.
Em tudo na vida há prós e contras, também sempre apregoou a minha mãe clarividente. E essa história do telefone móvel trouxe agilidade e praticidade, mas também escravizou a humanidade, dependendo da ótica que se queira enxergar. Atravessou o século a liberdade tolhida de quem faz uso dessa maravilha eletrônica. Até hoje, quando os modernos, pequenos, muito mais eficientes e versáteis aparelhos se multiplicaram por milhões de incautos que pagam bem mais barato para se acorrentarem.
Vemos pelo mundo uma legião de algemados às mensagens, às notícias, às twittadas, aos chefes, aos funcionários, aos pais, aos maridos, às mulheres, enfim, a tudo que possa restringir de certa forma a vida mais tranquila. Ganham e perdem, de acordo com as circunstâncias, com uma tecnologia que se aprimora a cada dia, para o bem e para o mal.
E se desconhecemos, ainda, os malefícios à saúde física, já sabemos dos reflexos à saúde mental. Diante de tamanha e doentia exposição, embutindo riscos como falar ao celular atravessando a rua ou dirigindo um veículo, psicólogos oferecem tratamento para livrar o aflito dessa agonia.
Desculpem encerrar intempestivamente, mas estão me ligando no rádio e no celular ao mesmo tempo. Deve ser algo muito importante. Pode ser um problema exigindo solução imediata ou um aviso sobre um sequestro relâmpago de um parente.

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