sábado, 16 de julho de 2011

No tempo do Beto Rockfeller

Sou do tempo da "Redenção", do "Direito de Nascer" e do "Sheik de Agadir", mas nunca foi do meu gosto ficar acompanhando essas histórias utilizadas pela TV para nos escravizar, dia a dia, alavancando a audiência do programa apresentado em seguida. Contudo, não sou daqueles mais radicais e reconheço ter assistido, ainda que não assiduamente, alguns sucessos da dramaturgia televisiva nacional. Por outro lado, não vejo novelas há muito tempo, desde que o merchandising e a escalação banalizada do elenco passaram a ser prioridades. Os enredos são tão pobres hoje em dia, que resolveram resgatar folhetins muito antigos, cujo sucesso se deveu aos atores importantes e à trama bem elaborada.
Uma novela que marcou época quando eu era garoto foi “Bandeira 2”, um clássico que desnudou um universo desconhecido para muita gente, as entranhas do jogo do bicho e das escolas de samba cariocas. Protagonizado por artistas de primeiríssima, a destacar os bicheiros rivais Paulo Gracindo(Tucão) e Felipe Carone(Jovelino Sabonete), Marília Pêra(a porta-bandeira Noemi) e um jovem José Wilker(Zelito, filho do Tucão) dando um show de interpretação em seu primeiro trabalho na TV. Isso sem falar em Grande Otelo(sambista Zé Catimba) e Milton Moraes(Quidoca). Sob os grilhões da censura, auge da ditadura em meados de 1971, a produção foi submetida a frequentes mudanças, culminando com a morte do Tucão, em razão de incomodar aos militares o sucesso alcançado pelo contraventor junto ao povão. Destaque para a Imperatriz Leopoldinense, escola pequena de Ramos e ainda desconhecida, que alçou voos muito mais altos após ambientar várias cenas.
Maior impacto causou “O Bem Amado”. A compra da TV colorida na minha casa, em meados de 1972, foi um evento de grande repercussão. Fui um dos precursores, pois minha tia trabalhava na GE e viabilizou o aparelho a preço de custo. Meus amigos se reuniam no meu apartamento para testemunharem os então raros programas não transmitidos em preto e branco. O primeiro jogo foi Flamengo x Madureira, estreia do Manto Sagrado em preto e vermelho na TV, Fla 4 x 1, diga-se de passagem. O colorido em “O Bem Amado” transcendeu os limites do PAL M, democratizando o texto ferino de Dias Gomes, uma crítica bem humorada ao Brasil da ditadura. O dramaturgo sintetizou os políticos do país na figura de Odorico Paraguaçu, um prefeito mal intencionado e corrupto. Mais estrondoso sucesso de Paulo Gracindo, na interpretação magnífica de um personagem cujas falas antológicas caíram no gosto popular. Por exemplo, o uso exagerado de advérbios inventados como “pratrasmente” e outros. Gracindo capitaneou um elenco fabuloso, composto por Lima Duarte(Zeca Diabo), Ida Gomes, Dirce Migliaccio e Dorinha Duval(as irmãs Cajazeira), Milton Gonçalves(Zelão), Emiliano Queirós(Dirceu Borboleta), Jardel Filho(médico local), Carlos Eduardo Dolabella(jornalista Neco Pedreira), a jovem Sandra Bréa(filha de Odorico), entre diversos famosos. Tudo isso ao som de uma trilha sonora inesquecível de Toquinho e Vinícius.
Exatamente pela trilha musical, a novela mais marcante para mim foi a incomparável “Beto Rockfeller”, de Bráulio Pedroso, em 1968. Aos doze anos, fui atraído por “I started the joke”(Bee Gees), “You’ve got your troubles”(Jack Jones), F comme femme(Adamo) e inúmeras maravilhosas músicas. Elas embalavam as picaretagens do Beto, vivido por um principiante e divertidíssimo Luiz Gustavo, magistral no papel de um trambiqueiro que tentava dar um “golpe do baú”. Ele contava com a ajuda de um amigo mecânico, Vitório(o grande dramaturgo Plínio Marcos), e gravitava em torno da Lu(Débora Duarte), da Renata(Bete Mendes), da Neide(Irene Ravache), da Marília Pêra(Manuela), da Maitê(Maria Della Costa). Todos dirigidos pelo Lima Duarte. Foi uma quebra de paradigmas no gênero, desde os temas musicais até a linguagem urbana cheia de gírias. Simplesmente sensacional.
Atualmente, quem vê novelas se contenta com relançamentos estrelados por modelos, caras bonitas e muita propaganda subliminar. Sorte a minha, que não dependo delas para ter boas recordações.

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