quinta-feira, 30 de junho de 2011

A título de reflexão

Com tantas atribulações e exigências impostas pela nossa vida material, refletir é um exercício bem difícil. Já nos esforçamos para começar e depois sempre vem a indesculpável tentação de parar. O recomeço, então, muitos nem cogitam. Pelo menos parece haver algo, um moto contínuo, que nos mantém no caminho, na busca, no questionamento. As perguntas ecoam em nossas mentes como dúvidas eternas: quem somos, de onde viemos, para onde vamos?
A ideia de longevidade tropeça na gula, no conforto do sedentarismo, na ânsia pelo sucesso. A evolução da espécie nos levou a um círculo vicioso em que nos consumimos pelo desejo de consumir o que desejamos. Nos alimentamos de mais do que o necessário para sobreviver, contudo, temos a mesma voracidade para saciar a fome de informações. E quando isso terminar, como saberemos se, quando e como começará outra vez? Será que essa transformação de fim em princípio ocorre no tempo ou no espaço? Quem nos responderá com a certeza que precisamos, nós mesmos ou alguém que escolhamos ou que será escolhido para isso?
Procurando por um esclarecimento mais profundo, estimulado pela convicção de que nada acontece por acaso e de que tudo tem um fundamento, resolvi escrever a respeito. Mais por uma necessidade de fazer meus próprios registros do que pela expectativa de que seria lido.
Minhas reflexões podem fazer supor insanidade, meus pontos de vista são muito pessoais e não se norteiam por fé, algoritmos ou revelações. Pretendo, simplesmente, conseguir o gabarito das questões da prova mais decisiva da minha vida. Não me sentiria completo sem saber em quais estou certo e quantas errei.
Conspiram contra mim as inconsistências e o tempo, mais esse último. Sinto que preciso compreender esses porquês para realizar uma missão determinada desde a minha concepção. E não vou descansar enquanto os lapsos impedirem uma sequência lógica de raciocínio.
Talvez restrições do meu conhecimento dificultem um entendimento pleno, entretanto me obrigo a perseguir algo mais complexo do que a rotina do nascer e do por do sol, das noites de meditação, das madrugadas insones pelas incertezas. Não me convenço de que interpreto um papel ou de que sou uma peça infinitesimal num colossal quebra-cabeças.
A verdade não está nas coisas simples que enxergamos, nada é o que parece. O microcosmos da nanociência pode abrigar universos maiores e mais diversos do que as estrelas que vemos nas noites de céu mais limpo.

terça-feira, 28 de junho de 2011

A sopa acabou em 74

Para um menino de dez anos, sair do subúrbio para estudar na Zona Sul da cidade já seria uma aventura e tanto. Certamente eu não tinha uma perfeita noção do que aquilo representava. Ao transpor o portão do 226 da São Clemente pela primeira vez, para a prova de seleção, tudo era surpreendente. A magnífica arquitetura, contudo, em breve pareceria menor diante do espírito e do legado daquele local. Um entusiasta colega de trabalho do meu pai dizia que eu teria o melhor ensino do Rio de Janeiro e um dos melhores do Brasil. Aos poucos fui entendendo o verdadeiro significado daqueles quadros de fotografias que eu via pelos corredores e fui compreendendo que se iniciava uma nova fase da minha vida.
Nos primeiros dias de aula, fui obrigado, após algumas tentativas frustradas de localização de onde eu morava, à opção pelo vizinho mais famoso, o Méier. Ajudou-me o fato da então recente inauguração de um dos primeiros Shoppings Centers do Rio e do primeiro tobogã da cidade, moda entre os jovens da época. Os novos colegas jamais haviam escutado falar no meu bairro, Del Castilho (lembro do dia em que o Abílio Aranha, grande parceiro, emprestou o som para uma festa que eu organizei e fez questão de ir até lá, com a coragem de verdadeiro desbravador do final da década de 60).
O que poderia ser discriminatório, especialmente pela famosa e ainda tão atual diferença social, acabou se transformando numa referência positiva. Contribuí com o meu jeito comunicativo e em breve a comunidade adotava aquele espécime raro de além túnel (Penso que éramos três. O introspectivo Jair de Freitas morava no Jacaré, por coincidência oriundo do Colégio Brasileiro de São Cristóvão também, e o sério Antonini vinha da Tijuca, reduto de famílias tradicionais naqueles tempos).
Um personagem do livro “Alexandre e outros heróis” (Graciliano Ramos) completou o quadro, batizando-me de “Xandu”, apelido conhecido nos quatro cantos da escola e que me acompanha até hoje, às vezes mesmo em família.
Inúmeras lembranças dos nove anos que percorri até o vestibular. Passam pela imponência do Cegalla e do Jacques Chambriard; a descontração do Pedro Paulo e do Cinelli; o “flanatismo” mais do que sadio das segundas-feiras do Motta; a malhação exacerbada com o Lincoln Brucutu; a rigidez disfarçada do Renato Magno de Araújo; a vigilância maternal da Blandina; a orientação tranqüila do Padre Glauco, Barbosinha até hoje; as professoras, algumas objeto de desejo outras de caricatura (a bolsa de apostas de “Olha aquiiiii”); a inspeção do Wilson (depois do Müller ele aprendeu que a bexiga não é tão elástica assim) sempre de óculos de policial, do “Zezinho” com rigor e bastante paciência, além do boa praça “Quenquém”; a tão esperada e gratificante presença das meninas a partir do Segundo Grau; os papos sobre História do Brasil e OSPB com a Rachel de Queiroz, tia do Flávio Salek; e, especialmente, a camaradagem entre todos, apesar de uma e outra natural divergência resolvida no recreio ou de forma mais extremada “na Mariana”.
A caminho de casa, também era na rua Dona Mariana onde eu batia de porta em porta nas Embaixadas para pedir envelopes de correspondência. A expectativa maior ficava por conta da Embaixada da antiga União Soviética, cujo acesso era vedado e que dispunha de portão automático com “olho mágico”. Em plena ditadura, é provável que eu tenha sido seguido alguma vez como mensageiro dos comunistas. Ainda mais despistando ao pegar dois ônibus e demorando quase duas horas para chegar a um “aparelho” tão longe. Se não fui, fazia de conta. Em casa eu retirava cuidadosamente os selos com a ajuda do vapor da chaleira, guardando-os meticulosamente em um álbum que me permitia viajar pelo mundo em cada estampa.
O eterno risco das citações é a injustiça. Considerem-se, portanto, todos lembrados. Porém, julgo interessante citar a permanente disputa no boletim entre o Quintanilha e o Fischer, ambos sem perfil de gênio e praticantes de bom futebol; as piadas e as músicas do Tarabini, sempre homenageando os mestres (Professor Cinelli é um cara legal...); a refinada categoria do futebol do Bruno “Pinel ” Milone (e saudades do Pedro Henrique Cabral Rumy, grande craque e colega que partiu tão cedo...), incompreensivelmente torcedor do América (aliás, só me lembro de um vascaíno dentre quase 250 alunos, o David Pinto Loja Sobrinho, o “Bacalhau”, tripudiado o tempo todo por rubro-negros, tricolores e botafoguenses); os acessos de riso do David Asfour; o inconstante humor do Malcher, sempre armado do seu compasso; a paciência, ou melhor, a resistência do Chamoun às espetadas; o início da loteria com o “Bolão Macaco” do Felizardo; o pavio curto e o giz certeiro do Marcelo Sertã; o piano do Pantoja e do Brandão; o violão do “Albuca” (que surpresa o Pedro Paulo Magalhães e o Pessanha se apresentando num conjunto no programa do Jô outro dia); a voz e as confusões do Pará; as cuspidas “com efeito” (foi mal, “Calica”); as disputadíssimas partidas do violento futebol “chapal ”, jogado de sapato no pátio interno; o campeonato “A sopa vai acabar ”, brilhantemente vencido pela insuperável 4ª Turma(que privilégio ter sido um reserva participante) numa sensacional final contra o time dos professores; tantos outros registros, dentro e fora de sala de aula, em Correias(o histórico jogo Brasil x Inglaterra na Copa de 70, que alguém nos obrigou a escutar no radinho de pilha dentro do ônibus, com toda a interferência da serra, porque o horário da viagem teve que ser cumprido) ou em Santa Bárbara(o célebre caso do vinho), que essas poucas linhas ou o bom senso impedem descrever.
Teremos sempre conosco o mais importante: a formação diferenciada que nos distingue. Nossos números não são notáveis como os do Simonsen, do Malan ou do Armínio; nossos poemas e músicas jamais serão comparados às obras do Vinícius, do Cazuza, do Edu Lobo e do Nelson Motta; nossos filmes e textos não terão a qualidade da assinatura do Jabor; nem estamos todo dia na telinha como o Bial. Interessante que tenhamos todos freqüentado as mesmas salas e corredores. Muita honra para nós e para eles. O espaço da notoriedade, reconhecidamente restrito, requer muito talento e bastante sorte. E o anonimato, esse ambiente mais democrático e plebeu, além de ter suas vantagens, nunca é total para os inacianos.
A cada ano o nosso tempo está ficando mais curto e precisamos nos ver com mais freqüência, pois de dez em dez anos tem sido pouco.
Desde o ano passado, curiosamente, ajudei na articulação do lançamento do Selo do Centenário do CSI sem perceber que iria guardá-lo junto com os conseguidos nas Embaixadas. A viagem agora é ao passado, quando éramos muito mais felizes do que parecia.
Quando tenho oportunidade sempre faço uma anônima visita e, em cada passo, cada espaço transfere a energia de uma lembrança.
A sopa acabou em 74. Valeu demais, rapaziada.
Obrigado por tudo, Santo Inácio.