domingo, 31 de março de 2013

Cúmplices




Fomos cúmplices em tudo na vida,
em desventuras, em golpes de sorte,
não é justo supor coincidência
se a prosa toma o rumo da morte.
Superei os cinqüenta e dois,
mas perdemos um grande amigo.
Meu sofrer então não foi pouco
e você sofreu junto comigo.
Aos cinqüenta e dois você foi,
me deixando pra trás no caminho.
Mesmo tendo os sentidos alertas,
está difícil a jornada sozinho.
Nosso tempo, tão compartilhado,
passa agora em enganos diversos,
se arrasta na melancolia
ou escapa na rima dos versos.
Acostumo com a dor da saudade,
que me vira do lado contrário.
Cinco meses após lhe perder,
vem seu dia de aniversário.
Há quem diga “deixou de existir,
contra os fatos não há argumento”.
Mas discordo, não vou lhe banir,
brindaremos em cada momento.
Passo a Páscoa da ressurreição,
do comércio dos vinhos e ovos,
no alento do nosso refúgio,
nossos filhos, amores mais novos.
Se com eles lhe sinto presente,
nas feições, na emoção dividida,
só aumento uma antiga certeza,
fomos cúmplices em tudo na vida.


domingo, 24 de março de 2013

A vez da Nena




Os desígnios do destino estão agressivos nas escolhas de quem me rodeia. Seria hipócrita não aceitar que o espetáculo abre e fecha cortinas todos os dias, não importa o horário, o humor e a capacidade de aplaudir, chorar ou rir. Tudo bem. Tenho plena consciência disso desde que me entendo por gente. Mas, os Cavaleiros do Apocalipse têm cavalgado nessa direção com muita voracidade, com uma insaciável sede de beber mais e mais, numa volúpia avassaladora. Em pouco mais de um ano, em especial nos últimos meses, arrebataram personagens importantes da minha vida, ignorando as regras da faixa etária, da predileção, enfim, do perfil a se adotar.
Agora foi a Nena, de uma forma abrupta, mais do que inesperada, ceifando sua família de uma esposa querida, mãe dedicada, esteio de marido e filho inconsoláveis com toda a razão. As sutilezas dessa partida começam com uma vinda minha ao Rio na última quarta-feira, para comparecer a uma audiência que acabou adiada para maio. Na quinta-feira reagendei meus compromissos para aproveitar minha estada por aqui, quando fui colhido de surpresa pela informação de um mal súbito que acometera a Nena. Daí para o desfecho foi necessário pouco mais de um dia. Portanto, vim para me despedir dela. Em Belo Horizonte estava mais distante, agora ficou muito mais.
Conheci a Maria José, Nena para os mais próximos, há alguns anos. Tive o privilégio de contratá-la para ser uma nova colaboradora na empresa e com o tempo ela passou a ser minha amiga. Não desfrutamos de um convívio maior fora do trabalho, embora mesmo à distância observasse uma mulher de muita fibra. Coração de uma família modesta e feliz, ela conseguiu estruturá-la de maneira exemplar. Trabalhando com dedicação e dividindo o seu tempo com os familiares, sempre soube contornar seus problemas com sabedoria. De honestidade e fidelidade a toda prova, bondade, sensibilidade e generosidade incomuns, contagiava a todos com sua fé e seu otimismo. Possuía uma palavra amiga para todas as dificuldades. Contudo, o seu coração enorme fraquejou de repente e ela nos privou de suas virtudes.
Sua passagem por aqui não foi em vão, certamente. A forma diferente de se conduzir deixará sementes importantes, além da saudade inevitável. As palavras para esses momentos escapam entre lembranças e questionamentos. O que nos resta, para variar, é seguir em frente. O elenco vai se renovando, porém a peça continua em cartaz. Nesse 23/03/13, ao se abrirem as cortinas do horizonte, os primeiros e insistentes raios de sol não conseguiram iluminar o palco. Desde a véspera, à noite, a natureza choveu as lágrimas de sua perda. O sábado amanheceu cinzento e acabrunhado. Faltava aquele sorriso cheio de simpatia e disposição. Imagino que Ele estivesse precisando mais de você do que nós. Siga em paz o seu novo caminho. Não se esqueça de dar um beijo na Márcia e de fazer um afago na Naná, no Popó, no Scottie e na Princesa. E, por favor, diga que tenho muita saudade de todos. Inclusive de você. Valeu, Nena.   
P.S.: Embora não professássemos a mesma fé, escolhi um vídeo de música gospel. Cântico da sua religião, seu gosto musical em sua fé inabalável. Estou certo lhe agradaria ouvir agora.






quarta-feira, 20 de março de 2013

Uma pérola aos porcos




Pérolas aos porcos, rotina cruel,
por não distinguirem doce de fel.
A vida perdoa o inaceitável,
surpreende, aceita o imperdoável.
Incríveis, nefastas, absurdas razões,
conflitos da alma a partir corações,
que se curam, regeneram e revivem,
recomeçam desde a própria origem.   
E, inspirados num amor mais forte,
resgatando vida, paixão e sorte,
recuperam o rumo da felicidade,
vivem com muito mais intensidade.
Mais sábias as chances do destino,
no buscar detalhes em pente fino
sempre acham a solução perfeita,
mesmo jogando fora a receita.
Ano após ano, em vinte de março,
pensando nisso é que me refaço.
Beijo a pérola e sorrio dos porcos,
seres estranhos, nebulosos e tortos.
Num belo dia não serei mais concha,
restarei no fundo da areia troncha.
Na solidão feliz do dever cumprido
não verei jamais seu coração partido. 

Feliz aniversário, minha filha.
Eu te amo.




domingo, 17 de março de 2013

Boas novas




Seus sinais me surgem claros, não sou tolo.
Boas novas, mais justas, por assim dizer,
mostram sua força, seu cuidado, sua luz.
Atenuam a saudade, um consolo,
confortam a alma, mais ajudam a entender
as razões de sua falta, do amor que conduz.
As surpresas em assuntos pendentes,
a simplicidade das soluções desejadas,
trazem a sutileza de sua presença.
O ceticismo dos mais descrentes,
supondo providências inesperadas,
sufoca anseios de nascença.
Não me sinto tão sozinho,
apoiado em seu amparo,
protegido por sua ação.
Seguirei o meu caminho,
o infortúnio é mais raro
tendo a sua proteção.


sábado, 9 de março de 2013

Inacreditável




Cada vez mais inacreditável a inoperância dos serviços públicos no Brasil, com raras exceções que só confirmam a regra. Sei que todo mundo sabe disso, mas quando ocorre conosco nos assustamos. Vira e mexe tropeçamos em causos absurdos, acreditando apenas porque passamos pela situação e não duvidamos de nós mesmos. Trabalhando em Belo Horizonte sem perder as raízes cariocas, vou para as Alterosas às segundas-feiras cedo e retorno às sextas-feiras à noite. O preço da passagem aérea decresce à medida que antecipamos a compra. Os bilhetes providenciados mais próximo da data do voo acabam ficando muito caros. Em razão de uma reprogramação na semana passada, precisei repensar a despesa. Viajaria duas vezes num intervalo de três dias. Foi quando me ocorreu a ideia de usar um ônibus leito, executivo, especial, cujo preço se assemelha à passagem aérea mais barata, comprada com bastante antecedência.
Realmente, os ônibus em questão são novíssimos, estão rodando há três meses. O conforto justifica o preço e quem não tem problema para dormir consegue relaxar a noite inteira. Nesse caso, a saída de BH às 23:30 e a chegada ao RJ às 6:00 trocariam uma noite de descanso comum pela viagem. Meu compromisso seria à tarde, portanto havia margem de segurança significativa. Cheguei à rodoviária de BH, fiz uma refeição leve e embarquei tranquilo. Partimos no horário e andamos alguns minutos até a saída da cidade. Ao entrarmos na BR 040, o ônibus parou. A princípio não entendi a razão e em breve pude observar que no sentido inverso também não passava veículo algum. Os minutos foram se estendendo de forma preocupante. Logo as pessoas acordadas começaram a se agitar. O motorista fez e recebeu algumas ligações no celular. Consegui escutá-lo reclamando de não ter sido avisado que o ônibus das 16:00 estava parado nesse congestionamento. Tratava-se de um acidente por volta das 17:00 com uma carreta de combustível, interditando os dois sentidos da BR 040, uma rodovia federal com grande fluxo. Aguardaríamos por uma nova carreta e pelo apoio dos bombeiros. Daí em diante a agonia aumentou em doses homeopáticas, qual uma tortura chinesa.
Os dramas dos passageiros afloravam. A passageira na poltrona atrás da minha perdeu a homologação no Rio, alem do dia de trabalho em BH e da passagem aérea de volta. Chegaria ao Rio e de imediato se encaminhara para o aeroporto para voltar. Não foi possível conciliar o sono sem saber como se resolveria o problema. Nenhuma informação, ônibus desligado, ar condicionado sem funcionar, uma hora, duas, três, quatro, cinco. Após cinco horas e vinte minutos os veículos em sentido contrário apareceram. Em seguida nos mexemos e seguimos viagem. Encaramos um imenso congestionamento a partir de Duque de Caxias e chegamos à rodoviária carioca quase 12:00.
Por que a transportadora não avisou aos passageiros sobre a extensão do problema antes de sair da rodoviária de BH? Isso viabilizaria alternativas como viajar de avião de manhã cedo, reagendar os compromissos possíveis, evitar aborrecimentos maiores. O motorista, cujas atividades anteriores desconheço, passou mais de doze horas sob tensão, num desgaste bastante perigoso para a responsabilidade da função que exerce. Como acreditar que uma intervenção numa rodovia federal, por mais complexa se possa imaginar, demande tanto tempo? Como considerar a hipótese de múltiplos interesses, pessoais ou empresariais, imobilizados, atrasados, prejudicados ou perdidos de todo? Caso o acidente colocasse em risco a vida das pessoas mais próximas ou o entorno num raio maior, o que seria delas? Ou estou conjecturando sem conhecimento de causa e a ação empreendida foi rápida e eficaz?