Há dias inesquecíveis na vida de
todos nós, para o bem ou para o mal. Há aqueles muito especiais, que conseguem
apagar quase todos os outros da memória, como se ocupassem o nosso HD por
completo. Na última quarta-feira, as imagens e os sons de uma hora e meia, numa enorme coincidência
futebolística, se transformaram em arquivos pesadíssimos ao se estenderem para a
eternidade. Velhos viraram meninos, lacrimejaram e tiveram dificuldade para falar. Jovens
envelheceram décadas em minutos, tantas as emoções afloradas no resgate das histórias
que lhes foram contadas. Na presença do maior de todos os ídolos, o contato com
um imortal mexeu com os mortais de todas as idades. No caso da Academia
Rubro-Negra da Felicidade, Zico é o imortal capaz dessa Magia.
Por ironia do destino, somente
por isso, há um clone perfeito do Zico. Ele se chama Arthur Antunes Coimbra e
conta cada ano de sua existência da mesma forma que nós. Ao fazê-lo, atrai toda
a Imensa Nação Rubro-Negra para os festejos. Os mortais costumam comemorar de
maneira mais efusiva as datas ditas redondas, as décadas completas. Assim está
fazendo o Arthur, à revelia do Zico.
No dia em que estive com o Magia para
homenagear o Zico, refleti sobre a oportunidade rara de estar
frente a frente com o meu ídolo. Eu já estivera com ele em outras
ocasiões, mas quantos tiveram essa chance em toda a vida? Sabendo da
extrema importância do Zico para a história do Flamengo, valorizei ainda
mais aqueles instantes preciosos oferecidos pelo destino. Sendo um
entre quarenta milhões, me senti na obrigação de dividi-los com outros
rubro-negros. Como os personagens da geral da minha juventude no Maracanã, os geraldinos. Naqueles
tempos de intensa glória, lembro do Jardel, um gigante de ébano que
urrava o jogo inteiro, dando instruções ao time ou xingando adversários.
Escutava-se a voz dele nas arquibancadas; outra figura inesquecível era o sujeito que andava num
patinete preto e vermelho pela geral o jogo inteiro; outro era o famoso dono do
javali rubro-negro, passeando com o animal na geral como se fosse um troféu ou um talismã. Por impossível fazê-lo com todos, resolvi
compartilhar a minha satisfação com pessoas que amam o Flamengo e com
quem convivi ao longo da vida.
De
imediato me vieram à cabeça algumas figuras importantes na minha
parentada rubro-negra. Tio José Benedicto, 87 anos vestindo o Manto
Sagrado, ouvinte do Ary Barroso e incentivador de minhas locuções de jogos fictícios. Outro é o tio
Guilherme, único dos irmãos da minha mãe que torcia pelo Flamengo,
responsável pelo amadurecimento de minha preferência nos
anos sessenta. Mais tarde vimos juntos a subida do time inteiro de
juvenis com o Joubert em 1974, o início da arrancada em 1978 e a
sucessão de conquistas posteriores. O velho Guila não está mais entre
nós, mas foi um grande companheiro de Maracanã. Senti sua presença no
CFZ. Não com a mesma frequência aos jogos, por comedimento, tio Rubens
também merece referência. Ele, Guila e meu amigo Renato se abraçaram no paraíso vermelho e
preto, enquanto eu abraçava o Zico.
À
galera da pilastra 40 do Maracanã faço menção específica e honrosa. Vibramos
muito com o Galo, no Mário Filho ou não. Viajamos juntos para jogos decisivos em
outros estados, pegando o ônibus da Cometa na garagem da Maxwell.
No ônibus às vezes encontrávamos o Moraes. Morávamos na Tijuca, íamos a pé para o estádio, não antes da parada
obrigatória no bar do Antônio, um sofrido freguês de caderno. Éramos
quase uma pequena organizada. Homenageando o Zico na quarta passada, percebi ao meu lado
os saudosos Edu e Jones, além do Fernando, Quarenta, Robson, Teixeira, Paulinho
Barramares, Cacá, Jorginho, João Paulo, Tupamaro, Luiz Cláudio, Vingador Mascarado,
Roberto Careca, que torcia pelo América e ia aos jogos conosco, Emir e
Zé Pestana, esses dois últimos felizes aniversariantes neste mesmo consagrado dia 03/03.
Ainda tinha um agregado tricolor, meu tio Carlos, amante do bom futebol
que ia conosco pelo prazer de ver aquele timaço do Galinho. Com eles chorei
inúmeras vezes de alegria, raras de tristeza, emocionados pela
orquestra de craques sob a batuta do gênio. De forma sensitiva, todos
cumprimentaram o ídolo comigo no CFZ.
O
abraço apertado no Zico eu dei por todos, mas em especial por cinco
pessoas. Meu pai, o saudoso Dario, que embora tricolor doente me fez
torcer pelo Flamengo quando me levou ao Fla x Flu decisivo de 1963.
Apaixonado pelo futebol, ele teria admirado o Zico se o tivesse visto
jogar. Morreu cedo, no início de 1972, e não conseguiu; D. Lourdes, minha octogenária mãe
rubro-negra, que dia desses me pediu uma camisa dos 60 anos do Zico, por ser fã
incondicional dele; meus dois filhos, Natália e Gustavo, rubro-negros
que não o viram jogando mas são fãs do Galinho. A mais velha nasceu no ano da graça de 1981, a tempo de ganhar em vinte e um dias o
Carioca, a Libertadores e o Mundial. O caçula vibrou comigo no famoso gol do Pet e
me deu o prazer de comemorarmos juntos o Brasileiro de 2009, num momento
dificílimo de nossas vidas; e, muito especialmente, a minha saudosa
Márcia, quem sempre dividiu comigo o nirvana das freqüentes vitórias e a
amargura das poucas derrotas. Ela compreendia como ninguém o meu estado
de espírito rubro-negro. Por sorte, tivemos o Zico para fazer a balança pender de
forma absurda para o nosso lado.
Com
eles e mais outros tantos não citados, além das dezenas de milhões de
desconhecidos, divido a veneração ao mesmo ídolo. A carga emocional de
tanta gente me faz virar criança cada vez que encontro o Galinho. Somos súditos
leais, Zico. Sabemos que os seus simbólicos sessenta anos
disfarçam a longevidade dos deuses. Obrigado por tudo. Vida longa ao Rei!
Nada se compara à alegria de se poder orgulhar do seu ídolo...e isso, nós que vivemos in loco a carreira do Zico, podemos sentir e bradar.
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