20/02/2013, ao invés de apenas
mais um dia no calendário, será uma lembrança triste. Pensei estar refugiado em
Belo Horizonte e você me impõe o peso de suas sombras. Impossível me acostumar
com isso, mesmo que se acerque de mim desde o meu nascimento. Além da sua
traiçoeira contemplação, seus botes ao meu redor sempre foram muito sentidos,
inesperados ou não.
A avó Lucinda sucumbiu às suas
artimanhas num Dia das Mães, no meu registro mais antigo de sua presença, há
quase cinco décadas. Depois foram os passarinhos, quase todos de uma vez, a
começar do Brasinha e seu canto maravilhoso. Lembra? Era um canário gloster,
aquela raça com franja.
À medida que o tempo passou, sua ronda
aumentou a frequência de forma exponencial. Meu pai, os outros avós, tios,
amigos, o Scottie, a Princesa, o Popó. Há três anos a minha sogra. O ano
passado começou com o seu assédio bem sucedido ao meu sogro e terminou com a
sua insidiosa investida em minha saudosa mulher.
Agora, você se interessou pela doce
Naomi, nossa querida Naná, se aproveitando da idade avançada da pequena e meiga scottish
terrier. Os acordes de sua flauta encantada de repente se fizeram escutar pela
velhinha, repaginando o músico de Hamelin em sua missão sinistra. Nem sei
explicar como a nossa companheirinha, com sérias deficiências visuais e
auditivas, conseguiu lhe seguir.
Ainda que eu lhe considere
inexorável, jamais aceitarei passivo a sua ação. Ao cortar laços tão apertados
pela felicidade, sempre me revolverá a alma e mergulhará minha mente em novas
reflexões. Reconfortante abstrair que todos os seus escolhidos estão juntos
nalgum lugar. Um campo florido iluminado pelos sorrisos resplandecentes de diversos
entes queridos, cercado de pradarias onde o Scottie, a Princesa, o Popó e, agora, a
Naná correm juntos transbordando de alegria esfuziante. Os trinados do Brasinha
e seus parceiros compõem a trilha sonora.
Lá inexistem as limitações dos
meus sonhos, tampouco as restrições do meu mundo ou as agruras de todas as
vidas. Muito menos os carmas e seus resgates. Libertos da angústia, do cansaço,
da doença, do sofrimento e de inúmeras expiações, seres especiais transitam com
a perfeição do levitar. Lugar ideal, numa dimensão ainda inalcançada,
imperceptível e somente acessível, por enquanto, pelo portal de sua oferta.
Dele, por ironia, queremos distância.
A complexidade de nossa
existência tem tramas insondáveis. Sigo meu caminho procurando me afastar de
sua persuasão duvidosa, enquanto meu imaginário se povoa de locais paradisíacos
e reencontros esperados. Não me cabendo alternativas, rumo adiante. Choro as
suas escolhas, abomino os desenlaces e me corroo de saudade. Nada atenua. Não
importa o prolongamento do meu caminho, jamais me acostumarei à sua frieza.
E você, Naná, siga em paz. Com
seu jeitinho tímido e especial, sua passagem por aqui nos trouxe muita alegria
e felicidade. Espero que tenhamos retribuído à altura. Tenha certeza de que
procuramos fazer o melhor desde aquele dia, há mais de uma década, quando já adulta você nos adotou.