sábado, 16 de fevereiro de 2013

Meu respeito, mestre Cegalla




Nos últimos tempos essa cumulus nimbus paira sobre nossas cabeças como o céu ameaçava cair sobre os gauleses da aldeia de Astérix. Semana passada faleceu o mestre Domingos Paschoal Cegalla, tradutor, poeta, romancista, autor de diversos livros didáticos da língua portuguesa e meu professor, no ginásio, no Colégio Santo Inácio. De imediato me veio à mente a impoluta, como diria ele, figura do professor Cegalla entrando em sala no final da década de 60. Tratava-se de uma lenda viva. Trajando sempre um impecável jaleco de um branco imaculado, ostentava uma seriedade beirando a sisudez. Pouco ria. Não seria demais dizer se assemelhar a um padre, pois desistiu do seminário ao resolver cursar Letras. Tornou extremado o sacerdócio de ministrar suas aulas, verdadeiros cultos ao idioma pátrio escrito e falado. Jamais me esquecerei de uma das suas melhores dicas de boa escrita: “Procure não repetir palavras em seu texto, em especial o verbo ser. Isso empobrece a narrativa. Explore ao máximo um bom vocabulário”.
Foi com ele que aprendi a admirar o que chamávamos de linguagem no primário e mudou de patamar no ginásio. A sua maneira exigente de cobrar a perfeição nas flexões verbais, nas concordâncias, na pontuação, na ortografia, enfim, no vernáculo em geral, me acostumou a um maior esmero. Até hoje guardo com orgulho uma redação com nota dez e elogio atribuído pelo velho mestre. Ele me estimulou a escrever com mais frequência, sob a alegação de que eu o fazia com apuro e amor. Dedicava também muito do seu tempo ao incentivo da leitura dos principais autores de nossa literatura. Herdei do protagonista de uma dessas obras, “Alexandre e outros heróis” de Graciliano Ramos, o apelido carinhoso que me acompanha até hoje entre muitos amigos e familiares: Xandu.
O lado mais folclórico do mestre Cegalla me parece dizer respeito ao seu carro. Denominamos seu impecável, salvo engano, Chevrolet 51 de “cegallomóvel”, inspirado no bólido famoso do homem morcego. Da janela da sala de aula podíamos observar sua triunfal chegada pelo portão da São Clemente nº 226. A algazarra e as piadas tinham o tempo certo dos “cacos” dos humoristas da turma, mas o limite respeitoso determinado pelo porte do motorista. Domingos Paschoal Cegalla ensinou com maestria a várias gerações de alunos. Uma das grandes estrelas de uma constelação de docentes de primeira linha, ele soube honrar o magistério.
Não por acaso omitirei aqui passagens desairosas de suas aulas, como a pontaria equivocada do giz do Marcelo, gerando uma enorme confusão ao acertar os óculos do mestre. Pode ter triscado a lente, porém nem sequer arranhou a reputação de uma carreira tão brilhante. Aliás, a estatura do Cegalla não se confundiu com a de um disciplinador. Doutrinador de vocábulos, verbos, orações e quetais, não tinha cacoete de algoz. Esse e outros pequenos deslizes da plateia não lhe roubaram a cena.
Portanto, prezado mestre, eis a minha modesta homenagem. Com certeza meus adjetivos são escassos diante da grandiosidade de sua obra. Longe de me considerar um discípulo de seus ensinamentos, tenho apenas a honra de me incluir entre seus privilegiados alunos. Não resta a menor dúvida de que alguma dimensão agora usufrui de sua sabedoria. Eleita por merecimento sua nova tribuna. Mérito deles e seu.



Um comentário:

  1. Grande Xandu, como sempre brilhante com as palavras e com a memoria perfeita.
    Agradeço a voce o meu retorno ao passado maravilhoso do nosso CSI!!!!.
    Faço um pequeno comentario, o Chevrolet do Cegalla era um belo rabo de peixe 1957 amarelo. O do meu Pai era uma perua 55.
    Um grande beijo no seu coraçao!!!!.
    Do seu velho amigo Alexandre Costa (Para).

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