domingo, 29 de julho de 2012

E depois?



A vida é tão simples que para nos escapar necessita apenas de um breve suspiro. E insistimos em complicar as coisas, em querer mais do que o suficiente, em ignorar como esse lapso de tempo passa rápido. Em geral nos damos conta disso quando já não há muito a fazer. Ou quando confrontados com a realidade da partida de alguém próximo de nós, em especial as inesperadas. Assim passei a semana atual, reflexivo e compenetrado.
A tênue linha da sobrevivência se rompe milhares de vezes por dia, mas só percebemos o micro-universo à nossa volta. Parentes, amigos, conhecidos e celebridades fazem parte de nossas perdas. Ainda assim, por hábito ou por conveniência, esquecemos de nossa finitude. Valorizamos os equívocos, remoemos as mágoas, desconsideramos o melhor. Somos, em resumo, seres buscando estender ao máximo sua existência.
Ao abrirmos os olhos após a pausa do sono, nascemos para um novo dia, reativamos a mais complexa máquina existente. Bombeamento de líquidos, filtragem e purificação, oxigenação controlada, transformação de energia em movimentos, uma intrincada rede de bytes naturais gerenciando todo esse processo instintivo. A sincronização de todos os órgãos opera um verdadeiro milagre, a sinfonia da vida executada por inúmeros instrumentos.
Os acordes perfeitos de tão afinada orquestra contrastam com a instabilidade do maestro. Apesar dos recursos rebuscados colocados à nossa disposição, regemos o conjunto de forma irracional, muitas vezes com leviandade, diante da importância da condução. Nem todos conseguem valorizar a beleza do resultado até que um ou mais instrumentos desafinam, chamando a atenção para a dissonância.
São dezenas de milhares de apresentações harmônicas decrescentes em qualidade pelo desgaste natural de todos os componentes envolvidos. Envelhecemos desde o primeiro segundo após o choro do nascimento, de maneira meio inconsciente. Por outro lado, conscientes, teimamos em não aproveitar na plenitude. Até a total obsolescência ou um final prematuro. E depois?

sábado, 21 de julho de 2012

Na crista da onda



Triste surpresa para um Dia do Amigo. Só reforça a ideia de vivermos cada dia como se fosse o último, saboreado qual preciosa dádiva cuja repetição jamais sabemos se ocorrerá. Um coração repleto de amizades nem por isso fica invencível. Ninguém foge da inexorável e derradeira lista de chamada, feita por Quem dita o destino de todos nós. Não se pode responder por outro, muito menos fingir não escutar o chamado. De repente, sem respeitar uma sequência lógica, chega a nossa hora. Por mais inesperada e inaceitável, nos obrigamos a responder: Presente! Na infância e na adolescência passamos anos a fio fazendo isso conforme a ordem alfabética. Parecia mais fácil esperar o momento certo e, às vezes, até driblávamos a perspicácia de um ou outro mestre. As coisas então se mostravam muito mais simples no ritmo da rapaziada bem humorada lá no fundo da sala, o pessoal da “cozinha”. Dentre outros, o Tarabini, o Cabral, o Zé Otávio e, a partir de hoje, um saudoso frequentador daquele local. O Paulo Arthur da Costa Ribenboim das chamadas escolares identificávamos como Tuta, o Guru, um hábil surfista. Cabelos longos tal a moda da época ditava, mas divididos do lado como a tribo inspirava. Num grupo muito risonho, ele em especial mantinha um bom humor permanente. Seu sorriso estampado no rosto em tempo integral acolhia melhor quem se aproximasse. Nossa amizade nem foi tão estreita, pois pertencíamos a grupos diferentes, embora estudássemos na mesma turma. Por outro lado, por transitar bem entre todos os clãs, sempre conversei com ele com descontração, pegando a emanação de suas ondas de simpatia serena. Excelente aluno, o Tuta se destacava naquele conjunto. Não sei se fruto de muito esforço ou se pela absorção com maior facilidade das informações nas aulas. A exemplo do Cabral, que não anotava quase nada e se saía muito bem nas provas, o Tuta conseguia sucesso. O fato é que o desempenho deles era acima da média. Depois da formatura no colégio nos distanciamos ainda mais. Há muito morava nos Estados Unidos e quando visitava o Brasil, em geral de férias, aproveitava para reencontrar o pessoal mais ligado nas pranchas, dentre os quais não me incluo. Escolheu para as manobras finais no mar o Trajano, o Marcelo Sertã e o Pecego, que sofreram mais de perto a sua perda e contam com a minha solidariedade. Estivemos juntos pela última vez num jantar de fim de ano no restaurante do Jockey Club. Lá encontrei um Tuta de cabelos curtos grisalhos e de bigode, quase irreconhecível, não fosse o tradicional sorriso escancarado. Atualizamos o papo e falamos de amenidades. Inúmeros os reencontros daquela noite, impedindo a dedicação do tempo exigido para todos os resgates. Mas consegui recuperar na memória um personagem muito interessante. Ele continuava o mesmo, um cara de bem com a vida e transmitindo muita energia positiva. Com certeza tinha seus problemas, todos os temos, mas transparecia um equilíbrio e um estado de espírito em alto astral, daqueles contagiantes. Talvez a minha avaliação menos aproximada me sugerisse algo diferente, porém prefiro ficar com ela. Vou guardar essa imagem do colega agora em busca de ondas melhores. O Grande Arquiteto do Universo reservou para ele essa missão e em algum lugar sua presença se fez mais necessária do que aqui entre nós. Nosso perfil egoísta se ressente da ausência dos que se vão mais pela falta que nos fazem do que por interromperem sua trajetória. A galera do outro lado sem dúvida o recebeu com um caprichado Aloha. Agora deve estar preparando a prancha para se juntar a eles, para remar em novas águas, atrás da onda perfeita, para entrar e sair de espetaculares tubos. Tomara que ele fique amarradão. Para nós, Tuta, você sempre estará na crista da onda. Valeu, parceiro!

domingo, 15 de julho de 2012

Professor Lázaro e a carta




Salvo engano, durante o curso de Engenharia na PUC/RJ, o meu amigo Lázaro era monitor de turma nas aulas de Física I do professor Pierre Lucie. Já se vão quase quarenta anos e não lembro com exatidão do período. Fernando Lázaro Freire Júnior sempre se mostrou um sujeito simples, mesmo quando se destacava como excelente aluno nos tempos do Santo Inácio. Cabelos desalinhados, despojado no trajar, uma personalidade risonha disfarçada pela seriedade carregada de humor sarcástico. O “Boi” é daqueles parceiros distanciados pelo tempo, porém do qual jamais esqueceremos pela grande camaradagem da época de escola. Numa busca recente de velhos documentos, encontrei uma carta do Lázaro remetida de Padova/Itália em 1989. Eu estava nos Correios e ele elogiava o nosso serviço e criticava as dificuldades postais do país onde estava morando. Ainda sem a praticidade da internet, do celular e das demais vantagens oferecidas pela atual tecnologia, a distância e a solidão eram minimizadas pelo hábito da correspondência tradicional, selada e confiada à qualidade dos correios pelo mundo. Guardei com carinho a mensagem elogiosa do amigo e ela resistiu até hoje a várias arrumações. Semana passada, através de um amigo comum, eu soube da aula magistral “Nanotecnologia: uma revolução?”, proferida pelo Professor Lázaro em sua posse como Professor Titular do Departamento de Física da PUC/RJ. Não resta a menor dúvida se tratar de coisa para poucos e que só nos honra como amigos. Para minha sorte, seu extenso currículo incluiu aquela passagem pelo nordeste da Itália, na região do Veneto, numa das mais antigas universidades do mundo. O exílio cultural o estimulou a escrever para mim e aquele pós-pergaminho inspirou esse texto. Ao longo da história a escrita teve, tem e terá esse dom de aproximar as pessoas afastadas, não importa quando nem o canal utilizado. Assim resolvi escrever algo em homenagem ao Lázaro e estender a tantos outros colegas inacianos, além dos demais amigos que fiz em outros locais, cuja quantidade me impede de citar, também ocupantes de funções de destaque na sociedade, cumprindo a missão de melhorar esse mundo em que vivemos. Eles pesquisam temas diversos, desenvolvem novas tecnologias, curam pacientes, compõem músicas, desenham, constroem, decoram, enfim, fazem a vida diferente do que seria sem eles. Pode parecer cabotino escrever meio que em causa própria, mas julgo digna de registro a contribuição dessa parcela especial da sociedade com quem tive a oportunidade de passar momentos felizes da minha juventude. Vivemos juntos dificuldades adolescentes e conflitos naturais de uma idade cheia de rebeldia e de ideias. Percorríamos apressados os corredores, pátios e escadas; corríamos pelos campos e quadras; confrontávamos com a modernidade os antigos quadros de formatura; chegamos a ter como desafio maior escalar o morro nos limites do colégio. As décadas se incumbem de ampliar os desafios e os limites, nos impondo uma percorrida de corredores cada vez mais longos, num enfrentamento árduo com a persistência e o ideário do viço da adolescência. Valeu, Boi, um dos parceiros daquela fase marcante da minha caminhada. Meu respeito, demais ilustres inacianos e outros amigos personificados pelo Professor Lázaro em sua missão nobilíssima de lecionar. Dia desses alguém lembrou Sartre, ao dizer que a arte de viver é ficar o tempo todo se equilibrando entre escolhas e consequências. Sábias palavras.

domingo, 8 de julho de 2012

Sexto sentido

Quantas vezes nos sentimos observados por alguém à distância? Por incrível que pareça, muitas delas estando de costas para o observador. E visões, algumas inclusive premonitórias? Há quem possa fazer isso com uma, por assim dizer, religiosa frequência. Até hoje me recordo de aromas marcantes do passado. Os perfumes usados pelo meu pai no final dos anos sessenta estão vivos em minha memória olfativa. A fragrância do Nau, do Lancaster ou do Avant la fête indicava que ele já estava de saída para o trabalho. E o cheiro de couro da pasta nova no início do ano letivo? Inesquecível. O cheiro de terra molhada, que denominamos cheiro de chuva, o odor de cola de madeira derretida, a simbologia de alguns incensos e outros registros me transportam para momentos específicos da vida. Tanto quanto sons, imagens, sabores e texturas, os sentidos projetam cenas no córtex cerebral. Pesquisadores de áreas inexploradas do cérebro humano se aproximam da existência de um sexto sentido fundamentado em comprovação científica ao invés de traduzido por um dom singular. Alguns deficientes visuais, por exemplo, demonstram uma possibilidade ainda mal esclarecida na identificação de emoções faciais de seus interlocutores. Talvez a justificativa esteja num sistema sensorial subconsciente ligado a uma parte oculta da mente humana. Por outro lado, nosso sistema visual está ligado a nove caminhos diferentes do cérebro e só começamos a entender com perfeição um deles. Os outros oito caminhos podem ser alternativas não mapeadas. Experimentos também conduzem à constatação da transmissão de pensamentos entre as pessoas, fenômeno que em larga escala se chama de inconsciente coletivo. Desde criança me incomodei com a afirmativa de que usamos apenas dez por cento da capacidade cerebral. Quando estendermos isso a parcelas maiores, com certeza nos surpreenderemos com um descortinar de percepções até então inalcançadas. A ciência caminha a passos largos para estreitar nossos laços com descendentes sequer conhecidos, num passe livre na linha do tempo como especulado por Einstein. Dimensões desconhecidas, talvez muito mais próximas do imaginável, aguardam pela nossa visita. As doses de compreensão dos fatos novos precisarão ser mantidas na forma homeopática da evolução das pesquisas, numa progressão compatível com a acomodação das camadas de conhecimento. Nem a vastidão do ultrapassado universo e do atual multiverso será o limite. A título de referência, há quem defenda a inexistência de vida em outros planetas em razão da não confirmação da tese ao longo de tantos anos de busca. Basta imaginarmos um desavisado retirando um copo como amostra da água de um oceano e em seguida atestando inexistir vida marinha pela ausência de indícios naquela insignificante quantidade. Quantos milhões de litros restarão a examinar? Submersos em semelhante mergulho, nos aprofundamos em mares misteriosos onde a massa encefálica flutua quase inexpugnável.