terça-feira, 26 de junho de 2012

Almas unidas



No caminho dessa vida
nem a morte se explica
por ser a única certeza.
Valoriza cada passo,
mais afeto, mais abraço,
quer mais doce o viver.
Difícil seguir sozinho,
sem alento ou carinho,
isolado pelo destino.
Tudo há no tempo certo,
desde o atalho sendo aberto
às surpresas da estrada.
No frescor mais invasivo,
no calor do corpo-abrigo,
se descobre as respostas.
Dosa o néctar pela gota,
sede morta pela boca,
recupera a essência.
Sonho enfim realizado,
caminhada lado a lado,
união de duas almas.


terça-feira, 19 de junho de 2012

A verdadeira liberdade



Um dos confrontos mais cruciais do ser humano se dá com ele mesmo. A procura pelas opções mais adequadas exige plena autonomia, detendo o controle da situação. Sempre aspirei pela verdadeira liberdade, pelo livre arbítrio, pela autonomia de decisão. Mesmo estando fora da prisão, os homens não podem se considerar tão livres. Há outras formas de aprisionamento, restrições pessoais de ordens diversas, grilhões que pesam na alma e na mente muito mais do que no corpo. A certeza da liberdade vem com as opções independentes, alternativas escolhidas sem a pressão de outros interesses. Precisamos fazer escolhas pela vida inteira, das mais simples às mais complexas. Elas se balizam por circunstâncias diversas, mas em geral sofrem influências externas. Muitos preferem chamar essas interferências de variáveis incontroláveis, embora o controle das decisões jamais deixe de ser de cada um. Inobstante suas consequências, nossos atos nos pertencem de forma indelegável. A coragem de enfrentar os reflexos de nossas atitudes se dimensiona pela independência no rumo a seguir. Em geral as pessoas se submetem a tendências, a padrões, a modismos, a caprichos, a imposições, enfim, a ditames desvinculados de suas necessidades específicas. Fora as demandas estranhas, o ser humano segue fluxos impróprios, atendendo a exigências consumistas ou a equivalências sociais. Em virtude dessas impropriedades, o exercício da individualidade fica relegado ao enésimo plano. Abre-se mão de um destino simples e feliz em busca da angústia de uma existência atribulada, pontuada pelo sofrimento, pelo estresse, pelo querer mais e mais. Não raro há um desequilíbrio quando se chega ao clímax dessa vertiginosa e incessante procura pela felicidade artificial. São os perversos questionamentos após alcançarmos sucessos efêmeros de alto custo humano ou as dores da corrosão de nossa essência depois de tantos resultados positivos em longo prazo. O âmago dessas questões nos remete a porquês sem resposta, a um dilema entre a realização de projetos e a alegria de viver. Quão livres seriam aqueles que pautam suas existências pelo status e pela ilusão? Vivemos para satisfazer análises alheias ou para usufruir a plenitude dos momentos marcantes? Bastante incomum, a certeza de olhar para trás concluindo pelo melhor trajeto se reflete no bem estar, na paz consigo mesmo. Ao contrário, o vazio toma conta daqueles cujos objetivos materiais se concretizaram em detrimento de uma vivência plena com aqueles que amamos. Essa inegociável liberdade se confere aos espíritos mais nobres, dotados de conteúdo valioso sem a opulência dos rebuscados papéis de presente. O seu passado proveitoso e o seu futuro promissor, ambos regidos pela consciência tranquila, têm ainda mais valia. É quando podemos nos considerar efetivamente livres, por gozarmos da verdadeira liberdade.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Dias de eterna duração



Um dia desses me peguei organizando selos antigos que jamais cheguei a retirar dos envelopes em que foram usados. Na verdade eles se somaram a uma coleção que fiz durante a adolescência, herdados de um tio com mais curiosidade do que dotes filatélicos. Décadas se passaram e os selos ficaram esquecidos numa caixa, dentro de um caderno de científico dos anos cinqüenta, pertencente à irmã do juntador das peças. Foi uma viagem diferente separá-los por países que nem existem mais. Numa definição da filatelia levada a sério, os selos são pequenas janelas para o mundo. Total fundamento.
No caso dos selos, em razão da infinidade dos temas existentes, o filatelista precisa escolher aquele ao qual vai se dedicar. O hábito de colecionar requer paciência e meticulosidade. Confesso não possuir essas virtudes. Ainda assim consegui reunir amigos ao longo da vida, preciosa coleção da qual me orgulho muito, sobretudo pela temática diferente de suas características. Por mera coincidência, dias após organizar meus selos, participei de uma reunião com antigos amigos dos Correios. Trabalhei com eles naquela empresa por mais de vinte anos, até sair para a iniciativa privada em 1997. Além da alegria do reencontro, revê-los me faz recordar diversas passagens marcantes, viajando no tempo como ao contemplar os selos.
A empresa das minhas memórias me sugere outra imagem, embora muitos dos personagens fossem os mesmos. Tenho as melhores lembranças dos tempos de ápice dos Correios, então eleita a melhor empresa nacional, num mundo diferente do atual no que se refere às comunicações. Embora as mudanças tecnológicas já começassem a se delinear, a relevância dos serviços era proeminente e a transformação do DCT em empresa moderna garantiu um salto de qualidade. Sem falsa modéstia, tive o privilégio de participar daquele período histórico junto com muitos ecetistas valorosos, ajudando a escrever algumas das páginas mais brilhantes dessa importante organização.
Não caio na armadilha de citar nomes, evitando a injustiça de omitir registros tão relevantes quanto os lembrados. Prefiro homenagear a todos na figura do anfitrião desse reencontro, meu grande amigo Jarbas. Esse excepcional ser humano, que através dos Correios tive a oportunidade de conhecer, me fez o generoso convite para estar com gente tão querida. A hospitalidade extremada dos donos da casa e o carinho de todos os presentes emolduraram um quadro inesquecível na parede das minhas recordações. As informações trocadas com avidez preservarei vivas num arquivo especial da minha mente. Num pedaço de paraíso encravado na montanha, num ambiente leve e descontraído, a prosa correu solta e as horas não foram razoáveis, nos dando a ilusão de passarem rápido demais. Se a vida se faz de instantes, dias assim deveriam ter eterna duração. Estou certo que tenham sob outra perspectiva.

domingo, 3 de junho de 2012

A fábula do gongolo





Gongolo: Pequeno miriápode que se enrola quando lhe tocam. O mesmo que bicho-de-conta ou piolho-de-cobra.

Era uma vez um gongolo individualista, habitante de uma floresta tropical na qual dividia espaço com outros invertebrados, vertebrados, árvores, flores e plantas em geral. Aliás, essa era das raras divisões feitas pelo gongolo, a exemplo da amargura e dos problemas. À alegria, à felicidade, ao bem-estar não se mostrava disposto a concessões, entendendo se tratarem de porções pessoais e indivisíveis. Assim, se recusava a demonstrar solidariedade, espírito de grupo e de compartilhamento. Preferia desfrutar desses aspectos de forma individual e intransferível. Todos, salvo uma e outra exceção confirmando a regra, discordavam do gongolo. Mudava seu percurso pelas trilhas da mata, mas seu comportamento peculiar permanecia atraindo a crítica dos demais. Entretanto, ele se mantinha irredutível, por considerar correta sua maneira de ver a vida e entender equivocada a visão de todos os outros. Com o passar do tempo o gongolo passou a se sentir cada vez mais isolado, pois os grupos mais diversos promoviam reuniões sem contar com a sua presença. Até só lhe restar o espelho da toca. Arraigado a seus princípios, o gongolo sequer admitia partilhar os melhores momentos de sua existência com o reflexo da própria imagem. Passou a evitar o espelho também. Eis que surge uma época de terrível e inesperada seca na floresta, privando a todos do habitual provimento abastado. Ninguém, inclusive o gongolo, conseguia encontrar o indispensável para a própria subsistência. Em circunstâncias de tamanha escassez, houve imperativa necessidade de juntarem esforços para o recolhimento de víveres. Consolidadas as porções obtidas por cada um, uns mais outros menos diante das dificuldades, o resultado era repartido de acordo com a demanda individual. A partilha das cotas reunidas com sacrifício geral se dava inobstante as preferências particulares da borboleta, da aranha, do gafanhoto, da centopéia, da libélula, enfim, de todos. O obtido pelo grupo era indistintamente distribuído até que cada indivíduo dispusesse da mesma porção minimamente satisfatória. Somente tal compartilhamento poderia salvar o ecossistema. Não dispondo de alternativa para a sobrevivência, em razão dos dias de abundância serem sucedidos por jornadas de carestia, o gongolo precisou rever seu ponto de vista. Forçado pela contingência mudou a filosofia de vida e passou a se comportar de forma partícipe e solidária. Mesmo após normalizada a situação, superado o período de privação, o gongolo se manteve integrado aos princípios de coletividade. Desde então jamais deixou de ser lembrado em todas as reuniões da floresta. Nelas se tornou uma das mais simpáticas e bem-vindas presenças, pelo extremado espírito de grupo, pelo companheirismo e pelo temperamento afável.  E se diz que naquela floresta todos viveram felizes para sempre.