Houve um dia, perdido no tempo,
você era uma menina com o uniforme do Pedro II e me conquistou. Éramos jovens, você
mais do que eu, mas o amor nos invadiu por completo, na plenitude dos hormônios
e dos sonhos. A felicidade escancarou portas e janelas do meu coração, clarão
de uma luminosidade sem igual, compassada, mas poderosa. Evoluímos juntos,
caminhamos lado a lado, amadurecemos ideias, rumamos um pouco em paralelo, nos
unimos em definitivo, de corpo, mente e alma.
Você passou a ser minha
inspiração, minha namorada, minha amante, minha companheira, minha parceira nos
dois mais importantes frutos do nosso amor. Lutamos nas mesmas trincheiras da
vida, enfrentamos enganos, incertezas e nos fizemos mais fortes ao nos
completarmos. Você, com sua elegância e altivez, numa sensibilidade silenciosa,
embora sempre atuante e decisiva.
Traídos pelo destino, quando as
flores mais vicejavam nos obrigamos ao maior enfrentamento, a aceleração de sua
contagem regressiva. Desviei meus rumos e me abracei a você, estreita e
apaixonadamente. A corrente nos arrastava implacável na irreversibilidade da doença
insidiosa. Mesmo os pequenos ramos nas margens serviram de apoio para a retomada,
de base para a superação. Sua valentia me reenergizava, me enchia de ânimo, me
ampliava o horizonte.
Na inclemência do virar da ampulheta
os grãos escoaram entre os dedos da justiça e arrancaram do livro da minha existência
as páginas finais mais belas. Por cima das cortinas a censura invejosa abreviou
esse romance, impedindo nossa velhice apaixonada ao cortar os cordões das
marionetes enamoradas. Alegaram egoísmo de quem ama, materializado na
manutenção do sofrimento apenas pela querência longeva. Travei contra isso o
embate derradeiro, abri meu coração iluminado e permiti que sua luz escapasse
em nome de sua preservação.
Hoje você brilha longe de mim,
num lugar escolhido pelo Grande Arquiteto do Universo, num plano melhor e sublime,
perfeição a quem fez jus. Só me resta sentir a saudade doída e avassaladora da
amada perdida. Meu caminho prosseguirá a esmo, solitário e triste. Descanse em
paz minha guerreira, até logo meu grande amor. Resplandeça a sua luz de onde
estiver. Permanecerei aquecido pelo seu calor, guiado por sua claridade, protegido
pela sua aura. Nossa história não acaba assim. Ela continuará viva em meu
coração, em meu pensamento, em minha alma. Como tem sido desde a primeira
vez que vi aquela menina com o uniforme do Pedro II. Eu te amo.