domingo, 3 de junho de 2012

A fábula do gongolo





Gongolo: Pequeno miriápode que se enrola quando lhe tocam. O mesmo que bicho-de-conta ou piolho-de-cobra.

Era uma vez um gongolo individualista, habitante de uma floresta tropical na qual dividia espaço com outros invertebrados, vertebrados, árvores, flores e plantas em geral. Aliás, essa era das raras divisões feitas pelo gongolo, a exemplo da amargura e dos problemas. À alegria, à felicidade, ao bem-estar não se mostrava disposto a concessões, entendendo se tratarem de porções pessoais e indivisíveis. Assim, se recusava a demonstrar solidariedade, espírito de grupo e de compartilhamento. Preferia desfrutar desses aspectos de forma individual e intransferível. Todos, salvo uma e outra exceção confirmando a regra, discordavam do gongolo. Mudava seu percurso pelas trilhas da mata, mas seu comportamento peculiar permanecia atraindo a crítica dos demais. Entretanto, ele se mantinha irredutível, por considerar correta sua maneira de ver a vida e entender equivocada a visão de todos os outros. Com o passar do tempo o gongolo passou a se sentir cada vez mais isolado, pois os grupos mais diversos promoviam reuniões sem contar com a sua presença. Até só lhe restar o espelho da toca. Arraigado a seus princípios, o gongolo sequer admitia partilhar os melhores momentos de sua existência com o reflexo da própria imagem. Passou a evitar o espelho também. Eis que surge uma época de terrível e inesperada seca na floresta, privando a todos do habitual provimento abastado. Ninguém, inclusive o gongolo, conseguia encontrar o indispensável para a própria subsistência. Em circunstâncias de tamanha escassez, houve imperativa necessidade de juntarem esforços para o recolhimento de víveres. Consolidadas as porções obtidas por cada um, uns mais outros menos diante das dificuldades, o resultado era repartido de acordo com a demanda individual. A partilha das cotas reunidas com sacrifício geral se dava inobstante as preferências particulares da borboleta, da aranha, do gafanhoto, da centopéia, da libélula, enfim, de todos. O obtido pelo grupo era indistintamente distribuído até que cada indivíduo dispusesse da mesma porção minimamente satisfatória. Somente tal compartilhamento poderia salvar o ecossistema. Não dispondo de alternativa para a sobrevivência, em razão dos dias de abundância serem sucedidos por jornadas de carestia, o gongolo precisou rever seu ponto de vista. Forçado pela contingência mudou a filosofia de vida e passou a se comportar de forma partícipe e solidária. Mesmo após normalizada a situação, superado o período de privação, o gongolo se manteve integrado aos princípios de coletividade. Desde então jamais deixou de ser lembrado em todas as reuniões da floresta. Nelas se tornou uma das mais simpáticas e bem-vindas presenças, pelo extremado espírito de grupo, pelo companheirismo e pelo temperamento afável.  E se diz que naquela floresta todos viveram felizes para sempre.

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