domingo, 31 de julho de 2011

Nossos temores

A vida é um trem fantasma dependente do nosso estado de espírito e das pessoas ao nosso redor. Os sustos fazem parte do nosso dia a dia, maiores ou menores em razão da concepção construída, da sustentação psicológica adquirida e da pressão exercida pelos oportunistas. Uns mais outros menos, desde cedo convivemos com temores, candidatos a figurantes no filme de nossa existência, postulantes a parceiros de nossa caminhada, às vezes ajudando, outras prejudicando.
Quando crianças elegemos alguns medos para nos atormentarem nos momentos de vazio da mente. Pelo inconsciente infantil desfilam diversos candidatos a assombração-mor, eventualmente enxergados pela imaginação fértil, ocultos pelo quarto escuro, disfarçados em bonecos, escondidos debaixo da cama ou atrás das cortinas. Muitos deles foram estimulados por adultos ignorantes, chantagistas de primeira hora, aproveitadores da inocência dos pequenos para fazerem valer seus interesses momentâneos. Vil sistema de trocas, repertório de quem não está preparado para criar ou se viu submetido ao mesmo tratamento.
O resultado desse mundo paralelo pode ser nefasto ou estimulante, conforme a condição psíquica no qual se lastreia. A projeção de figuras inexistentes, comum em crianças solitárias, faz amigos invisíveis com quem se conversa e se brinca, personificação de confidentes dos simplórios dilemas vividos pela criança. Pode ser um parceiro, uma namorada, com ou sem nome, a critério da fertilidade do território habitado.
As ameaças, os monstros, o saco de maldades aberto toda vez que alguém considera relevante, esses sim podem produzir efeitos nocivos, marcando silenciosamente e, não raro, exigindo correção no futuro, sob pena de acompanharem a mente madura pelo resto da vida. Pior, influenciando em decisões difíceis, refletindo em comportamentos doentios, quem sabe ocasionando tragédias pessoais ou coletivas.
Não fui perseguido ou pressionado por figuras malévolas na minha infância, período do qual guardo as mais interessantes recordações. Superei o medo de escuro bem cedo, logo ao alcançar o interruptor na parede. Até os sete anos filho único, criei assessores para a hora da brincadeira, o colega Alfredinho Carrapa e a minha namorada Fufiralfa. Tão rápido quanto surgiram, se dissiparam. Ocuparam o mesmo espaço dos personagens de Walt Disney pintados com perfeição nas paredes do meu quarto, obras de arte de um brilhante artista amigo do meu pai. Amores eternos enquanto duraram.
Na idade adulta me deparei com os temores de praxe, seja a dúvida sobre a carreira ou a responsabilidade na constituição da família, até mesmo a morte precoce. Esse último ocasionado pelo súbito óbito do meu pai, no viço dos seus quarenta e um anos, que precisei superar ao longo do tempo, fugindo dos sobressaltos. Olhando para o umbigo, como se costuma dizer, tenho a impressão de não fugir da média. Se não sou um herói vencedor de demandas, pelo menos sou capaz de alvejar meus dragões com a lança dos guerreiros.
Hoje, às vésperas do outono das minhas estações, pouco me assombra. Para não dizer que saio incólume, tenho dois fantasmas, a loucura e a solidão. Não sei qual dos dois é o maior. Na dúvida de estar resguardado, conto com a proteção divina, inspirado pelo padroeiro do dia, Santo Inácio de Loyola, o imbatível lutador que não escolhia quimeras nem adversários, os derrotava com seu despojamento e bravura. Muitos dos ingredientes de minha formação vieram do colégio com o nome dele, instituição vicejada pela semente de Santo Inácio. Também por isso não sou temente a muita coisa.

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