quinta-feira, 7 de julho de 2011

Imponderável


Semana passada manuseei umas fotos antigas, escolhendo algumas para uma entrevista que o Magia Rubro-Negra, portal onde escrevo, publicou sobre a minha paixão pelo Flamengo. Ao fazer a seleção das fotos, me deparei com os alegres registros de uma festa em que reuni vários apaixonados pelo clube depois de uma grande conquista. Escolhi algumas e enviei para o responsável pela matéria. Por conta da lembrança, também as enviei aos que estiveram no evento e cujo endereço eletrônico localizei.
Numa delas estava um feliz grupo de amigos e familiares. Dentre eles um mais satisfeito, por ser ganhador de uma faixa oficial do título, que sorteei entre os convidados. Domingo, ao ler a entrevista, por não vê-lo há muitos anos e não saber como lhe enviar as fotos, passei alguns momentos me lembrando do seu jeito diferente. Arredio e sempre desconfiado, suponho que ressentido das muitas pancadas que a vida lhe deu.
Eu o conheci há uns 30 anos. A impressão mais forte que guardei dele desde o início foi o inconformismo com a mal sucedida carreira de jogador de futebol, abortada precocemente em razão de uma contusão. Ele foi juvenil de um clube grande carioca, jogando com atletas que ficaram muito conhecidos.
Essa rasteira do destino ele jamais absorveu. Costumava desdenhar do talento de alguns dos mais famosos ex-companheiros, considerando que ele jogava mais do que eles. A firmeza com que ele assegurava isso me passava a certeza da verdade. Depois disso ainda sofreu outros revezes importantes, o que não é problema exclusivo dele nem de ninguém.
Seria tudo pouco significativo se um amigo comum não me comunicasse do falecimento dele hoje, menos de uma semana após ter o sorriso estampado no ciberespaço. Sem muita justificativa, ele se sentiu mal e não resistiu. Embora desde garoto acostumado com a incontornável realidade da morte, ela me assusta com o seu perfil imponderável. Agora é a minha vez de ficar inconformado.
Uma das minhas cenas preferidas no cinema tem como personagem Roy Batty, um andróide criminoso interpretado pelo Rutger Hauer em Blade Runner / O caçador de andróides. Após filosofar sobre nascer sabendo o dia da morte, ele poupa a vida de seu algoz e morre deixando escapar de suas mãos uma pomba branca. Num cenário sombrio e chuvoso, com a música de Vangelis ao fundo, trata-se de um clássico, na minha opinião.
Com bastante freqüência, costumamos ouvir discursos em contraponto à prática. Não fujo à regra e afianço que devemos aproveitar da melhor maneira os preciosos momentos concedidos pelo destino. Ao contrário dos replicantes do Blade Runner, não temos conhecimento de quando será o término de nossa validade. Ainda assim, movidos por motivos menores, preferimos negligenciar uma existência mais agradável.
Vivemos em paz ou descansamos em paz. Nesse caso, ele descansará em paz.

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