segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Dia a dia

Recebi de um grande e indignado amigo a triste frase do dia: “Que país é este que reúne milhões para a marcha dos gays, outros milhões para a marcha dos evangélicos, algumas centenas para a marcha a favor da maconha, mas que não se mobiliza contra a corrupção?”, de suposta autoria de Juan Arias, correspondente do El País no Brasil. Ainda que me incomode um estrangeiro dizer isso, partindo do pressuposto que em terras hispânicas isso também ocorra, não posso reclamar de estar errado. Há pouco mais de um mês escrevi aqui o texto “Ninguém se indigna mais”, entendendo inadmissível convivermos de forma tão passiva com uma sucessão absurda de escândalos em todos os níveis.
A enxurrada de malversações assumiu tal proporção, que muitas vezes se esquece com rapidez de gente graúda arrolada em acusações pesadas. Para isso, basta o envolvido submergir e esperar que a enorme concorrência o substitua nas manchetes. Há pouco tempo um importante mandatário foi duramente golpeado. Hoje nem se fala mais no assunto, como se nada tivesse acontecido. Ele até continua viajando com a mesma intensidade e frequência, mas saiu das manchetes. Talvez porque esteja optando por vôos de carreira.
De maneira geral, a memória do brasileiro funciona coerentemente mal. Sua inconsistência tanto rejeita lembrar o que mereça ser exaltado, quanto se recusa a execrar com veemência atitudes indignas. Passagens terríveis de nossa história são apagadas com facilidade num piscar mais moroso de olhos. Seguimos nossa vocação de vacas de presépio com uma invejável impassividade, ruminando nossos problemas recorrentes e mugindo a vaia apenas quando o atacante do time perde um gol incrível. Somos a população que os corruptos pediram a Deus.
Relações espúrias, tráficos de influência, percentuais padronizados de propina. As situações parecem cada vez mais escabrosas, envolvendo desde verbas destinadas à Saúde aos recursos alocados para a reconstrução de áreas atingidas por tragédias, tudo é possível no caleidoscópio de falcatruas. Só se faz necessário um cifrão seguido por mais de seis dígitos e a roleta gira esperando a bolinha cair no número escolhido ou na cor certa. Façam seu jogo senhores, a sorte está lançada. Os apostadores se revezam nesse pano verde e amarelo, embora sejam os mesmos. Desfilam com seus ternos e vestidos de grifes caríssimas, não temendo ostentar uma riqueza incompatível com seus vencimentos oficiais. Relógios valiosíssimos, carros com IPVA estratosférico, casas de campo e de praia, barcos e quetais. Nada é investigado, tudo se supõe justificável, afinal ganham muito.
E dia após dia a caravana passa e os cães nem ladram. Ou melhor, nem latem, para não estimular duplo sentido. Termino resgatando um poema que escrevi na adolescência, somente para refrescar a memória falha, teimosa em não lembrar de um problema bem antigo.

Dia a dia

Quero esquecer esses problemas do dia a dia,
quero recordar o destino que sorria.
As doces fantasias que existiam nas canções,
agora já não passam de antigas ilusões.
A vida não respeita os projetos que se faz,
o mesmo tempo marca e apaga os sinais.
Acordo nesse mundo que me cerca de ferrões,
mal sabe que as abelhas morrem após os seus zangões.
O sol que nasce agora revigora com o calor,
à tarde vai embora e ignora a minha dor.
Justiça que parece impossível encontrar,
verdades que me fazem muito mais desanimar.
A força que sustenta o nó nessa garganta,
há de sucumbir ante a voz que se levanta.
Vida indevida me faça renascer,
um dia após o outro só ajuda a descrer.

3 comentários:

  1. Alexandre, também recebi a mesma mensagem e respondi assim:
    Infelizmente é um país em que boa parte da população vive dando uns jeitinhos para se dar bem; pagando propina para o guarda, dando calote quando alguém bobeia, não devolvendo o troco dado a mais, comprando atestado médico ou inventando mentiras para não ir trabalhar, roubando as melhores doações nas campanhas em benefício de atingidos por alguma miséria e que no final querem, até inconscientemente, colocar no poder alguém com quem se identifica ou pelo menos um amigo de momento. Depois reclamam da desgraça em que vivem. Uma pena!

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  2. Ainda postei outras duas para demonstrar minha irritação:
    Estou pesquisando sobre a influência da lua na menstrução da borboleta, mas todo o mundo só quer saber quem matou a Norma. Tenho sempre que lembrar que não assisto televisão (ou melhor, assisto raramente), mas tenho certeza de quem matou (se morreu mesmo) foi o autor da novela.

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  3. Acho que a mídia está em greve! Não vi ou ouvi qualquer reportagem com os adeptos dos direitos humanos defendendo a juíza que foi assassinada em São Gonçalo. Será que os humanitários concordam que juizes são deuses?

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