terça-feira, 30 de agosto de 2011

Descalabros

Mais duas pérolas sucessivas da administração pública. Em 25/08/11, um subsecretário do Governo do Estado do RJ, que até março de 2011 atuava como Coordenador da Operação Lei Seca, atropelou quatro pessoas em Niterói, quando dirigia seu veículo. O próprio responsável pelo acidente reconheceu ter consumido bebida alcoólica numa festa de onde saíra minutos antes do fato. Uma das quatro vítimas faleceu. O subsecretário foi exonerado após alguns dias do ocorrido, coincidentemente na mesma data em que a vítima era sepultada. Seria o extremo da incompatibilidade o ex-Coordenador da Operação Lei Seca beber, dirigir, atropelar e matar? Seria inimaginável? Nem tanto. Os fatos provam que a fatalidade, de novo ela, apenas fez emergir do lodaçal evidências mantidas submersas. Então, quantas se encontram mergulhadas, desde quando e até quando?
A título de confirmação, em 27/08/11, um acidente com um bondinho em Santa Tereza vitimou 62 pessoas, das quais cinco perderam a vida, até o momento. Há pouco tempo houve um registro de morte no mesmo meio de transporte, depois da queda de um passageiro. Dessa vez o bonde trafegava aparentemente com problemas de manutenção e superlotação. Somente agora o Governo do Estado anuncia a interrupção do transporte até que se estabeleça um plano de modernização do sistema. Por que essa providência não foi adotada antes da tragédia anunciada? Precisamos de óbitos para lastrear atitudes inadiáveis diante dos riscos existentes? Em resumo, os cidadãos morrem pelas mãos de outros cidadãos semelhantes a eles, oportunamente disfarçados ou disfarçadamente oportunistas.
Dois casos emblemáticos da realidade da gestão pública no país, se juntando a inúmeros outros, mais e menos escabrosos. Falta de ética e/ou de iniciativa, interesses pessoais, imobilismo, todos viram simples estatísticas para a rotina estarrecedora que anestesia a nossa repulsa. O primeiro evento chega a ser surrealista pela recente função de seu protagonista, inobstante ainda ocupar um cargo público, de quem se espera um procedimento exemplar. Num mundo hipotético, claro, no qual as autoridades sirvam como referência. No lamentável cotidiano com o qual convivemos a situação se mostra muito diferente.
Um exercício desinteressado pelo noticiário do dia a dia nos traz o mais variado cardápio de máquina pública defeituosa. Deparamo-nos com vícios decorrentes da famosa disposição de seus agentes em levar a maior vantagem possível, driblando a lei sem o menor resquício de ética ou o mais remoto sentimento de culpa. Não bastassem salários bem acima da média do mercado em geral, os ocupantes desses cargos se julgam merecedores de usufruir de benesses supostamente inerentes ao exercício de suas atividades. No mínimo se consideram passíveis de imunidade sob diversos aspectos. O referido subsecretário, por exemplo, justificou a evasão do local do acidente alegando estar em estado de choque. Mas, conforme divulgado pela mídia, a tal instabilidade não o impediu de requisitar um reboque da Operação Lei Seca, desfazendo a cena do acidente e levando o seu carro particular para outro local. O que os leva a pensar assim?
Cabe então uma reflexão maior. Quem seriam esses cidadãos, se não elementos pinçados na própria sociedade que os critica? Feliz ou infelizmente, cada instrumento desses descalabros nossos de cada dia se origina de pessoas que hoje podem estar ao lado de um de nós. Ou seja, são semeados nos diversos níveis de uma sociedade que muitas vezes aspira alcançar o Olimpo da impunidade, invejando aqueles que hoje se valem do poder. Basta que sejam nomeados para uma função dessas e já recomeça o círculo vicioso. Daí se dizer que o poder corrompe, pois os exemplos, tristemente, se estendem do mais significativo degrau da gestão estatal até o mais modesto. Raciocínio simplista traduzirmos isso sob a conotação de questão cultural. Porém, não devemos aceitar tal absurdo com naturalidade a vida inteira. Como corrigir essa falha de comportamento?

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