sábado, 13 de agosto de 2011

Jessé

Numa viagem de quatro décadas ao passado encontro personagens interessantes na memória. Naquele meu velho Del Castilho, figuras marcantes se distinguiam dos demais. Alguns se tornariam pessoas famosas com o passar do tempo, porque não dizer, muito famosas. Hoje vou falar de uma delas, certamente reconhecido por quem ler esse texto, goste ou não do seu estilo.
Os adolescentes da minha época tinham o péssimo costume de se reafirmarem através do cigarro. Quase todos fumavam, embora o dinheiro fosse curto e não permitisse excessos dessa natureza. Em especial por ser um hábito cultivado às escondidas, o acendimento de um cigarro seguia um ritual e já exigia conceitos de economia. Quando todos se reuniam, era comum que a cada cigarro aceso houvesse candidatos à “vinte”, às vezes à “dez”. Era como chamávamos, respectivamente, vinte e dez por cento do cigarro.
Um dos integrantes do grupo era ágil nessas candidaturas, talvez porque jamais tivesse o que fumar. Era o Jessé, morador da “parte de baixo”, local situado do outro lado da avenida principal que cortava o bairro. Ele se acostumou a se juntar ao pessoal da “parte de cima”, onde eu me incluía. Transitava com desenvoltura em ambas as áreas, mas se identificava mais conosco. O Jessé só era chato com essa história de “me dá a vinte” e “me dá a dez”, de resto era gente fina. Gostava tanto de uma batucada que acabou conseguindo uma vaga de cambono de centro de umbanda, atraído pela percussão na tumbadora.
Ainda bem adolescente, exerceu a função de apontador no ponto de bicho gerenciado pelo Celsinho. Ou seja, começou cedo a buscar um rendimento para se manter e ajudar em casa. Não tinha a carteira assinada, nem garantias mínimas, mas o horário ajudava a conciliar com outras atividades, eventualmente com a escola. Assim o tempo passou e outras coisas aconteceram. Ele de repente deu uma sumida, ninguém sabia exatamente o porquê. Mudou-se para outro bairro, começou a frequentar as badaladas rodas de samba do bloco Cacique de Ramos. Lá a madrinha Beth Carvalho o acolheu, gravou o genial samba dele “Camarão que dorme a onda leva” e alavancou a carreira do maior fenômeno de vendas do mercado fonográfico do samba, sucesso de mídia e de público.
Alheio a esses fatos, em 1986 eu morava em São Paulo quando julguei reconhecê-lo na capa de um LP. O novo nome não me lembrava nada, porém a fisionomia me pareceu familiar. Logo descobri de quem se tratava. Apesar disso, ele mudou muito pouco de quando o conheci para cá. Continua simples e ligado às raízes. Entretanto, duas mudanças foram grandes: a conta bancária cresceu de forma exponencial e o nome artístico pelo qual há tempos ficou bastante conhecido. Afinal, quem não conhece o Zeca Pagodinho?

Nenhum comentário:

Postar um comentário