sábado, 20 de agosto de 2011

Uma vida musical

Como explicar um gosto musical tão difuso, reunindo o melhor dos clássicos, canto gregoriano, rock & roll, samba em geral e MPB na mais pura das versões de cada uma delas? Jamais fui músico e não sei quando isso começou nem porque, razão tão antiga que talvez me remeta a um acorde captado em posição fetal. Mesmo não tendo memória auditiva dessa época, sou capaz de assegurar que isso ocorreu. Eu não poderia ser indiferente, gerado por mãe apaixonada pela música brasileira de Maysa, Dolores Duran, Cartola e outros gênios. Além da indisfarçável admiração que ela sempre expressou por algumas grandes vozes estrangeiras, rol onde me recordo encontrar Sarah Vaughan, Charles Aznavour e, especial e destacadamente, Johnny Mathis, seu maior ídolo junto com Roberto Carlos.
Tenho registro de ser um apreciador da boa música desde a mais tenra infância. Ainda bem menino, adorava acompanhar o meu pai em suas domingueiras festivas em frente ao aparelho de som, uma poderosa rádio-vitrola Telefunken embutida num belo móvel de madeira. Era praxe ver um Dario regente dominical, escolhendo entre sua enorme coleção de LPs, eclética seleção incluindo Henry Mancini, Frank Pourcel, Burt Bacarach, Frank Chacksfield, Nat King Cole, Frank Sinatra, Fifth Dimension, Harry Belafonte, Tijuana Brass, Sérgio Mendes, Wilson Simonal, Erlon Chaves, Beethoven, Mozart, Mendelsson, Vivaldi e todos os clássicos. O som que ecoava dependia do seu astral.
Eu conheci muito cedo o prazer de saborear as melodias balsâmicas e a ânsia de devorar a informação enriquecedora das letras. A música faz parte da minha vida de tal forma que me envolvi com ela em minha adolescência, imaginando poder seguir esse caminho profissionalmente. Ganhei três festivais amadores, com a parceria de um grande amigo músico, porém me afastei do rumo inexplicável e subitamente. É provável que tenha pesado para isso uma suposta injustiça na desclassificação da seletiva do festival Abertura da Globo, coordenado pelo Augusto César Vanucci. Nos meus sonhos de menino poeta, vendo “Alegria, Alegria”, “Domingo no parque”, “Luciana” e, emblematicamente, “Pra não dizer que não falei das flores”, participar de um festival de gente grande seria o máximo.
Não importa, segui degustando Toquinho e Vinícius, Jobim, Edu Lobo, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gil, Zé Ramalho e muitos outros. Mergulhei na sonoridade rebelde do rock, inspirado pela revolução dos Beatles e dos Rolling Stones; pela guitarra de Clapton, Gilmour, Hendrix, Page e Santana; pela bateria do Keith Moon e do Phil Collins; pela voz do David Coverdale e do Roger Daltrey; pelo baixo do John Entwistle e do John Paul Jones; pelos teclados do Rick Wakeman e do Tony Banks; pela flauta do Ian Anderson; pelas letras do Pete Townshend e do Roger Waters. E o trompete do Miles Davis, o sax do Charlie Parker, o magic touch do Stanley Jordan, a gaita do Toots Thielemans? Melhor parar, pois a citação reverencial é gêmea siamesa da omissão injustificada.
Nenhum deles me impediu de apreciar os maravilhosos sambas do Cartola e do Nelson Cavaquinho, nem os populares do Monarco, Almir Guineto e Zeca Pagodinho. Agisse diferente e não me perdoaria a minha professora de português do Santo Inácio, Marília Barbosa, incentivadora das minhas redações e hoje uma das maiores pesquisadoras do mundo do samba. Portanto, diria o mestre Cegalla, o popular não precisa ser inimigo da regra culta da língua. Acabei estimulado por outro grande amigo a compor sambas bissextos, apenas nos carnavais de blocos de rua. Neles me realizei escutando muita gente cantando meus versos nos blocos da “Barata”, em Costazul/Rio das Ostras, e no “Nem muda nem sai de cima” da Tijuca.
Vejam só como é lúdica a vida do amante da música. Busquei tanto pela sonoridade até no quebrar de copos e pratos, que virei notas numa quase sexagenária trilha sonora. Musicalidade a cada dia da minha caminhada, em ritmos heterogêneos, sem xenofobia nem pedantismo, embalando minha história numa longa dança. As vozes, os arranjos, os solos e os acordes guiaram meus passos à margem dos problemas, esses sim, sem rima, sem prosa, sem tom. Eles só costumam atravessar o samba dos tristes e desafinados, aqueles que não têm sintonia com a melodia de sua existência.

2 comentários:

  1. Comento para quebrar o tabu, pois muitos tentam e não conseguem. Deveria ser mais simples comentar aqui.

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  2. É facil comentar e acompanhar esse blog Alexandre, que acho que um dia vai virar livro.Parabéns, abração.

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