domingo, 14 de agosto de 2011

Pais

Indescritível o momento do nascimento de um filho, nos fazendo sentir mais longevos, quem sabe perpétuos, numa conceituação mais abrangente. Tive essa transcendental sensação duas vezes e me recordo de todos os detalhes, dos mais simples aos mais complexos. O ressecamento desértico da garganta, a enxurrada oceânica de pensamentos, a força incendiária do amor, o poderoso sopro de vida. Os quatro elementos nos cercam, protegem e ameaçam, convulsionando os instantes de uma transformação definitiva. O rito de passagem nos eleva à condição de criadores. Nada mais será a mesma coisa.
Os filhos trazem um glossário de termos novos, explicações para definições imprecisas, traduções em qualquer idioma. Ensinam todo o tempo, bastando a primeira alegria, o primeiro choro, a primeira cólica, a primeira insônia, a primeira palavra, o primeiro passo, a primeira aula, a primeira prova, a primeira decepção, a primeira menstruação, o primeiro amor, as primeiras flores, o primeiro diploma, o primeiro emprego, a primeira felicidade, a primeira tristeza. Tudo é tão novo para eles, tão velho para nós, tão novo para nós, tão velho para eles, dependendo das circunstâncias, das perspectivas, da ótica observada.
A intensidade do amor paterno se revela em doses generosas, exageradas às vezes, parcimoniosas eventualmente, profiláticas sempre. Quando o planejamento falha, a reparação resolve, recupera e reconduz. Erre, erre, erre e erre, pouco importa, pois o aconchego ampara, abraça e acarinha. Inobstante a morfologia das palavras, amor e zelo, extremos do dicionário, se aproximam na ação. Buscamos enxergar por seus olhos, oferecemos corpo e alma de escudo, suportamos o peso da responsabilidade, incondicionalmente, até quando possível. Um dia eles nos surpreendem vivendo com maestria nosso papel.
Cada qual do seu modo, com arados diferentes, preparamos a terra e disponibilizamos as sementes ao mundo. Se o renovar das estações nos enrugou a casca e acinzentou nossas folhas, também multiplicou o germinar, proliferando nossos frutos e perpetuando a espécie. Tempo de quebrarmos os espelhos e olharmos à nossa volta. A frondosa árvore da vida pereniza a seiva de todos os sonhos. À sombra de sua ramagem descansaremos as raízes de tantos passados, de outros frutos cujas sementes vicejaram no replantio. Nesse terreno fértil da existência não há espaço para o cultivo da saudade, pois estaremos eternamente juntos. Nele, as folhas caídas adubam as que ainda vão nascer e se mesclam em novas cores e outras texturas, num moto contínuo de aprimoramento. Portanto, chegada a hora, podemos descansar em paz. Em pais.

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