sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Papo de elevador

Trabalhei duas décadas numa grande empresa, sempre em salas dos andares altos. Ocupei, nos últimos nove anos daquele período, o andar mais alto, o 29º andar. Perdi a conta das vezes em que subi e desci nos elevadores daquele e de outros prédios. Os ascensoristas na empresa eram deficientes físicos contratados num programa especial e eu tinha um excelente relacionamento com todos eles, belíssimas figuras humanas. Um deles, mais extrovertido que os demais, numa das percorridas entre os andares, mais tarde do que o costume e sozinhos, criou coragem para me fazer uma confidência. “A vida de ascensorista é muito dura, chefia. Ouvimos os assuntos em doses curtas e incompletas. Só nos reservam o início, o meio ou o fim das conversas e ficamos impedidos de entender o conteúdo. Escutamos informações truncadas, um enorme mosaico, uma colcha de retalhos sem o menor sentido. Isso nos angustia, pois sabemos que no dia seguinte tudo se repete.”
Minha consciência censurou o comentário: vida de ascensorista, cheia de altos e baixos. Contudo, fiquei pensando na observação dele e entendi o dilema desses profissionais. Num pequeno espaço onde até um sussurro pode ser ouvido, muitas pessoas não se importam em manter reserva, se calando ao entrar. Alguns aguardam por instantes para dar continuidade à conversa, em especial se o assunto for sigiloso. Mas a maioria das conversas, quando não proibitivas, prossegue com naturalidade. Entretanto, o lapso de tempo do entrar e sair do elevador não permite que o condutor do transporte participe da introdução, do desenvolvimento e da conclusão. Apenas uma dessas fases, quando muito, estará ao alcance do único remanescente de todas as viagens. Do ponto de vista dos interlocutores, não há qualquer prejuízo. Se um deles sair antes do outro, o papo se complementará oportunamente. E estará resolvido o problema.
Num filme protagonizado pelo Mel Gibson, seu personagem possuía o dom de ouvir os pensamentos das mulheres. Ao circular por lugares públicos o falatório parecia uma Torre de Babel, dificultando a compreensão. A situação do ascensorista se assemelha a essa, com o agravante da interrupção unilateral da conversação. Quantas dúvidas persistem na cabeça de um ouvinte acidental, sem que isso lhe dê o direito de dirimi-las? Podemos considerar desde a contratação à dispensa de alguém, passando por um novo projeto, um romance, um problema de saúde, uma questão legal, um investimento, uma perda, uma piada, um comentário sobre futebol, enfim, o que se possa imaginar. Toda a sorte de assuntos entrecortados cuja concatenação das ideias jamais chegará ao conhecimento do isolado responsável pelo elevador. Ironia do destino, permanentemente cercado de tanta gente e ao mesmo tempo convivendo com a solidão dos enredos incompletos.
A bem dos mais curiosos desses trabalhadores ou em respeito à democracia da informação, se é que podemos assim caracterizar, sugiro que os passageiros desse mais seguro veículo se prontifiquem a retomar posteriormente a conversa no mesmo local. Ou gravem tudo num dos inúmeros mini-dispositivos existentes agora, disponibilizando o conteúdo aos ascensoristas no término do expediente. Seria uma espécie de cópia taquigráfica convertida em arquivo sonoro e colocada à disposição do interessado. Quem dispuser de alternativa mais interessante ou factível pode contribuir com a sua sugestão. Convinha que nos articulássemos logo para resolver essa pendência, pois se os ascensoristas se rebelarem e se unirem contra esse desconforto, correremos o risco de colocar em dia os assuntos trancafiados longas horas ali dentro daquele cubículo. Passaremos a conviver com a claustrofobia disseminada, o que está longe de ser uma boa solução.
Você já havia pensado mais detidamente nisso ou não anda de elevador?

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