terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ni Hao!

Depois de alguns anos, voltei a Rio das Ostras nesse fim de semana, revendo pessoas queridas num encontro bastante informal. Fiquei especialmente satisfeito com a alegria de quem promoveu a reunião, um dileto amigo, um irmão por assim dizer. Sempre tive muita facilidade de fazer amizades, agregando muitas ao longo da vida. Esse é um irmão que escolhi, personagem de muitas histórias em minha caminhada, sempre ao meu lado, mesmo que mentalmente, nos bons e maus instantes.
Conheci a figura na PUC/RJ, onde estudamos engenharia juntos. Muito reservado, poucas vezes ouvi a voz dele nas aulas do curso básico. Um dia, no estacionamento à direita do portão de entrada, encontrei o sujeito com o carro enguiçado. Ofereci ajuda e ele aceitou com certa resistência, meio desconfiado. Reboquei o carro dele com o meu, amarrando uma corda em ambos os pára-choques e resolvemos o problema. Depois disso, passamos a nos falar com mais frequência e engrenamos um sistema de transporte solidário. Uma semana com o carro dele e outra com o meu. Isso nos aproximou e transformou aquele fato isolado numa fraterna relação que já fez trinta e cinco anos.
Uma sólida amizade que resistiu ao tempo e às intempéries do destino, com afastamentos compulsórios como o que hoje vivemos. Meu amigo trabalha numa multinacional e mora há quase quatro anos em Shenyang, nordeste da China, onde enfrenta os obstáculos de uma cultura absolutamente distinta da nossa, tanto quanto temperaturas que chegam a trinta graus negativos. Com certeza, esses quatro anos corresponderam a uns vinte anos de vida normal para ele, sobretudo pelo distanciamento do país, da família e dos amigos, entre os quais me incluo. Por outro lado fizeram com que o meu irmão postiço valorizasse pequenos prazeres de maneira mais intensa, numa degustação aprimorada das pequenas porções que se agigantam ao faltarem.
A visão de um brasileiro que mora no exterior é sempre diferente da nossa, que nos habituamos a olhar para o umbigo e ignorar muita coisa que vale muito no dia a dia. Sublimamos pontos negativos gravíssimos e inaceitáveis, ao mesmo tempo em que desperdiçamos momentos saborosos que se repetem às vezes apenas com a teimosia da natureza. O sol, o céu azul, o mar, o verde vicejante por todo o lado, se incorporaram de tal forma ao nosso cotidiano que simplesmente não vemos mais a real extensão da sua beleza. Estar a milhares de quilômetros de sua terra e de seu povo, olhar pela janela e não enxergar o outro lado da rua em razão da poluição, não poder abri-la em virtude do frio insuportável que congela em segundos uma lata de cerveja, isso nos obriga a refletir.
Por todos esses motivos e muitos outros, valeu demais aquele churrasco em Rio das Ostras, ao som de tantãs, de um violão, de uma cuíca e de alguns chocalhos. Apesar de hora só para começar, festejo extinto com o término da última brasa e do último som, aquelas pessoas não tinham a menor noção da importância do que acontecia. Um dia simples, porém inesquecível, foi a moldura que registrou a felicidade no largo sorriso de um Marco Paulo diferente do seu homônimo mercador de Veneza. Ambos atravessaram milhas e milhas náuticas no encalço de quimeras desconhecidas, retornaram à origem e voltaram a se arriscar em terras estranhas para superar desafios enormes e quebrar paradigmas. Entretanto, o Marco Paulo de hoje sabe que tem muito mais gente desejando o seu retorno do que os que esperavam pela volta do seu xará de tantos séculos passados. O outro foi interlocutor de Kublai Khan e deixou um legado histórico tal que virou estátua em cidades chinesas. O nosso desbravador contemporâneo deixará em solo asiático uma fábrica de proporções gigantescas, acelerando ainda mais o desenvolvimento assustador daquele país e de seus quase um bilhão e meio de habitantes. Isso significa arrebanhar um oceano de anônimos amigos, tantos que entre eles me considero uma gotícula.
Ni Hao, Marco!

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