domingo, 4 de setembro de 2011

Carta aberta

Malcher, meu amigo, abro essa mensagem e o meu coração para me solidarizar com a sua dor inimaginável. Acordei hoje sob o impacto dessa triste notícia. A inversão total da lógica de nossa existência choca muito mais do que a inestimável perda sofrida por um pai. Representa um momento tão assombroso que nos atemoriza até discorrer sobre o assunto. Nunca estamos preparados para a morte, por mais que nos doutrinemos espiritual e mentalmente. A despedida precoce de uma filha, então, nos remete a um incisivo questionamento sobre a justiça desse plano.
O Grande Arquiteto do Universo muitas vezes traça linhas imperceptíveis à nossa compreensão, nos confunde a crença, nos anestesia a razão. Resta saber como seguir adiante, descobrindo como preencher a lacuna e prosseguindo uma caminhada incompleta em definitivo. Ironicamente, talvez o bálsamo procurado para esses casos esteja na maior valorização da vida. As estrelas de grande magnitude desaparecem sob o impacto de um rearranjo cósmico. A explicação existe mesmo na percepção embaçada pelas lágrimas mais salgadas da perplexidade.
Numa dimensão imprecisa, à qual não temos acesso, se reúne uma fraternidade despojada dos valores conhecidos por nós. Enquanto aguardamos pela hora em que o portal nos dê passagem, devemos cultuar permanentemente a alegria de viver. Sobretudo em memória aos que protagonizaram as melhores cenas do papel que interpretamos por aqui. A cortina abre e fecha todo dia, em vários palcos, nos mais diversos lugares e situações. O público muda, os atores são substituídos, ouvimos aplausos, choro, gargalhadas, percebemos até o silêncio. Os sentimentos se alternam, os temas às vezes os mesmos, o espetáculo prossegue em homenagem aos que de melhor fizeram pela arte da vida.
Perdoe, meu prezado amigo, a presunção de lhe oferecer em palavras o cicatrizante eficaz para esse corte profundo e doloroso. A paz de espírito sempre se esconde num canto da alma onde só os próprios amargurados conseguem chegar. Meu impulso de escrever uma carta aberta tem a intenção de consolidar uma egrégora que ilumine seu pensamento e aplaque o seu sofrimento. Essa conjunção de forças se sobrepõe a esse texto, aos meus desejos e à sua receptividade. Desconhecemos o pleno alcance de nossa capacidade, eterno impeditivo de compreender mais do que enxergamos. E está no equilíbrio a senha para os nossos reencontros, em qualquer significado dessa palavra.

Um grande e solidário abraço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário