quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Outros caminhos

A vida se traduz numa grande metáfora, na qual esclarecemos o inédito através de imagens conhecidas. Assim tem sido desde que o homem das cavernas viu o raio destroçar uma árvore e o julgou divino, idéia transmitida às gerações vindouras até a interpretação científica daquilo. Vivemos cercados por circunstâncias inesperadas, pela repetição ou pela novidade a nos surpreender a cada momento, conforme ocorrem. Nada parece impossível, ao mesmo tempo em que projetos desaparecem num piscar de olhos, castelos de areia derrubados no vai e vem da espuma das ondas. A ação pode vir de uma força da natureza, da natureza humana ou da economia mundial, embora a culpa sempre se atribua ao destino. Há valores impossíveis de avaliar, variáveis incontroláveis, influências intangíveis, em suma, supostamente obras do acaso. No fim das contas, na prática essencial do simples viver, uma existência inteira se modifica num estalar de dedos, nosso ou de terceiros. Haverá um dia explicação para isso?
Por vezes decidimos mal e somos forçados a assumir as conseqüências danosas desses atos. Não se trata de imprudência, de agir sabendo com precisão dos riscos embutidos nessas decisões, mas de nos faltar o dom permanente da premonição, a capacidade de aventar hipóteses desconhecidas. Mesmo assim, há iniciativas evitáveis, quando o livre arbítrio nos concede o direito de optar e escolhemos a alternativa errada. Problema nosso, nesse caso, administrar a velha questão do ônus e do bônus. E quando nada nos sinaliza como agir, quando sem o menor domínio dos fatos somos colhidos pela surpresa dos acontecimentos? Sequer temos poder de reação, qual uma folha arrancada da árvore pela tormenta, arrastada pelo vendaval para lugar ignorado, próximo ou distante, desconhecido ou não.
A força desses eventos nos apequena diante da imensidão das probabilidades. A sobrevivência pode ser uma minissérie ou uma longa história, ainda que isso dependa ou não de nossa muitas vezes insignificante vontade. Resta-nos diligenciar pela melhoria ou pela manutenção das conquistas, a torcida para as tormentas passarem longe, a fé inabalável de que haja alguém no controle quando ele nos foge. Se algo der errado, a crença nos impele à resignação pela opção suprema. A descrença nos leva ao ceticismo com relação ao futuro. Na linguagem futebolística, estejamos na figura A ou na figura B, nossa posição será de impedimento. As câmeras celestiais ou dos satélites comprovam, acima da sinalização da arbitragem terrena.
Meu saudoso avô costumava dizer “menino, vamos em frente que atrás vem gente”. Vem mais do que gente, velho Guila. Você estava correto, do alto de sua sabedoria, que agora imagino muito mais consistente, munido dos manuais indisponíveis por aqui. Meu sábio e querido velho, minha caminhada continuará imperturbável, com certeza, inobstante as perguntas sem respostas. Elas virão a seu tempo, como tantas outras se descortinaram após a infinidade de passos percorridos. Nesse dia especial homenageio a todos cuja visão se ampliou além desse horizonte limitado pela cronologia dos calendários, pela inquietude do desconhecimento, pela imprecisão das avaliações, pela incredulidade nos conceitos. Eles passaram a seguir seus caminhos de maneira diferente, sem a regência do tempo, sem a restrição da dimensão, inatingíveis por fenômenos inesperados. Enquanto isso, a exemplo dos nossos mais remotos ancestrais na face da Terra, o sagrado e o inexplicável se mesclam na indefinição dogmática. Uns buscamos força no incompreensível, respeitosamente a Ele atribuindo nossos acertos e nossos erros. Outros aceitamos o imponderável, a ele vinculando os descompassos da trajetória. De alguma forma, contudo, sentimos falta dos que já não caminham conosco.

2 comentários:

  1. Sensato, inteligente e, principalmente, com a sensibilidade apropriada.

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  2. Homo sapiens ou homo spritualis? Alexandre, tente ver A Caverna dos Sonhos Esquecidos, do Herzog, que deve entrar no circuito comercial, em breve. A Petrobras me presenteou com alguns ingressos para a Mostra de Cinema, abraço.

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