sábado, 5 de novembro de 2011

A mesa e a ampulheta

O tempo vai passando rapidamente, impingindo um preço mais caro aos desencontros. As oportunidades vão ficando mais escassas, as restrições aumentam, as razões se mostram mais contundentes no impedimento de nossos desejos. Rever prezados amigos sempre foi e será uma das maiores satisfações pessoais. A freqüência com que isso acontece estabelece uma gradação diretamente proporcional. Ou seja, maior o intervalo entre um encontro e outro, maior a alegria no reencontro. Pelo menos assim funciona comigo. O que não pode determinar o espaçamento grande entre as reuniões, pois havendo uma repetição razoável os reflexos se tornam muito mais saudáveis. Traz maior benefício esse remédio tomado em doses homeopáticas e permanentes, ao invés da ingestão de doses fortes e extemporâneas.
Assim foi um almoço entre inacianos no CADEG, em Benfica, vizinho do aprazível e imperial bairro de São Cristóvão. O local, antes apenas um grande mercado atacadista, pelo qual circulei antes do compromisso, hoje abriga também uma interessante alternativa gastronômica, culinária excelente e carta de vinhos variada. Foi o que encontramos no BARSA. Aos cuidados do Marcelo Barcellos, que nos acolheu pessoalmente com muita gentileza, e da cuidadosa atenção de sua eficientíssima equipe, pudemos desfrutar de sabores muito especiais. Num passe de mágica, saímos do estresse de nosso dia a dia para a conversa agradável e a degustação da comida muito bem preparada. O vinho foi escolhido pelo sommelier Camizão, o legítimo iniciado nos mistérios de Baco em nosso grupo.
Rever o Antonio Marcos, o Attílio, o Camizão, a Fernanda, o Quintanilha, alguns com suas caras metades, transformou a obrigação de repor a necessária energia ao corpo num exercício de relaxamento, numa restauração da alma. O coelho, o pato e o bacalhau se ofereceram ao sacrifício em prol de uma causa justa, respeitosamente perfumados pelos aromas das especiarias e envoltos nos rótulos de seleto bouquet. Tiveram participação destacada, quase protagonizaram a cena, mas se contentaram em coadjuvar nossas lembranças, nossas gargalhadas, nossos abraços. Falamos de tudo, muito de alegria, pouco de tristeza. Sobretudo nos repaginamos uns aos outros, encadernados pela eterna amizade, uma enciclopédia de muitos mais volumes do que a inspiradora do nome do restaurante.
São fortuitos, efêmeros e preciosos esses momentos de descontração junto a queridos companheiros de nossa tortuosa, imprevisível, mas instigante caminhada. Desde os primórdios da civilização o homem celebra a fraternidade em torno da boa mesa. Também por isso, o sabor inesquecível do alimento e da bebida permanecerá na memória gustativa dos que lá estivemos. Certamente semeou o jardim de nossos pensamentos felizes, atrelado aos sorrisos e à energia emanada por cada palavra trocada entre amigos de tão longa data. Florescerá sempre que abrirmos a janela da consciência, aquela a nos estimular a repetição de experiências gratificantes, persistentes promotoras da longevidade. A cada virada da ampulheta elas se fazem mais raras. E, qual as pérolas de maior valor, exigem mais esforço para as encontrarmos. Mais que uma obrigação, um privilégio poder continuar procurando por tais preciosidades.

Nenhum comentário:

Postar um comentário