sábado, 19 de janeiro de 2013

Árvore octogenária





Não importa a estação, em pleno verão as folhas podem vir cambaleantes num movimento pendular cujo limite é o chão. Poucos testemunham a repetição enfadonha de suas trajetórias, uma após a outra, numa fila respeitosa. A vez se decide nas raízes, nas entranhas da natureza, na complexidade da genética. Só se percebe o momento no desconectar repentino do todo, no desenlace da troca. O tronco permanece altivo e soberano, os galhos sacodem ao vento, eventualmente. A placidez do entorno emoldura décadas e atravessa o século em sua presença. Sua seiva alimenta os insetos, medica os enfermos. O ritmo alucinante dos pássaros percorre dia após dia cada centímetro de sua exaltação à existência. Ali anunciam os primeiros raios do sol, solfejam pela noite, chamam seus pares, se aninham, alimentam suas crias e voltam sempre à realidade da sobrevivência. 
As pessoas tanto quanto buscam a sombra como reclamam do lixo nas calçadas. Perpetram planos de extermínio, procuram razões filosóficas para justificar suas intenções, diante e por trás da exuberância in natura. Nada se cria, tudo se transforma. Eles e nós seguimos todos, por ar e por terra, nossos caminhos entrelaçados, dependentes das mesmas sementes. Voamos, andamos, rastejamos humildes frente ao monumento da solidez. Sua dignidade comove os sensatos, sua benevolência corrige os injustos, sua solidariedade ampara os fracos. 
Sol ou chuva são impotentes à sua resistência, suas raízes se fortalecem mais à medida que o tempo passa. A serenidade de seus movimentos contagia, a magnitude de suas formas envaidece o Criador. Seus frutos imperfeitos espalham pelo mundo defeitos até então inexistentes, não conseguem reproduzir a fidalguia de suas origens. A gentileza autofágica conspira contra os anseios mais nobres de uma força poderosa. Um caule marcado pelas agressões de tantas espécies, pela erosão inclemente da insensatez, da incompreensão, da ignorância, do imponderável. 
Quando o caule e a pele se confundem, as árvores longevas se misturam às almas santas e lembram pessoas especiais, somente as mais importantes. Não importa quantas estações elas viveram, seu legado se assemelha na integridade de seus propósitos. Umas choram lágrimas, outras o sereno, ambas umedecem terrenos parecidos. A felicidade está naqueles cuja proximidade de alguma forma permite matar a sede de sabedoria. O terreno fértil à sua volta nem precisa de muito, basta a contemplação. 
É preciso olhar com vivacidade em tempos devastadores, quando a rotina ceifa os troncos que nos permitem respirar. Não são muitas as árvores octogenárias, embora haja as que perdurem muito mais. Todas merecem nosso respeito, mas dediquem às mais expressivas uma pausa maior de seu ócio. Poderão conhecer uma linda história, de luta, de fibra, de superação. Não se intimidem ou fujam de sua imponência. Sentem-se sob sua frondosa e magnânima sombra, escutem o sussurro de seus segredos. Nada poderá trazer maior êxtase ou relevância em nossa passagem terrena. 
E agradeçam por cada um desses preciosos instantes. 
Por eles, brindem como ela costuma fazer: À VIDA!



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