Não importa a estação, em pleno verão as folhas podem vir
cambaleantes num movimento pendular cujo limite é o chão. Poucos testemunham a repetição
enfadonha de suas trajetórias, uma após a outra, numa fila respeitosa. A vez se
decide nas raízes, nas entranhas da natureza, na complexidade da genética. Só
se percebe o momento no desconectar repentino do todo, no desenlace da troca. O
tronco permanece altivo e soberano, os galhos sacodem ao vento, eventualmente.
A placidez do entorno emoldura décadas e atravessa o século em sua presença. Sua
seiva alimenta os insetos, medica os enfermos. O ritmo alucinante dos pássaros
percorre dia após dia cada centímetro de sua exaltação à existência. Ali anunciam os
primeiros raios do sol, solfejam pela noite, chamam seus pares, se aninham,
alimentam suas crias e voltam sempre à realidade da sobrevivência.
As pessoas
tanto quanto buscam a sombra como reclamam do lixo nas calçadas. Perpetram
planos de extermínio, procuram razões filosóficas para justificar suas
intenções, diante e por trás da exuberância in
natura. Nada se cria, tudo se transforma. Eles e nós seguimos todos, por ar
e por terra, nossos caminhos entrelaçados, dependentes das mesmas sementes. Voamos,
andamos, rastejamos humildes frente ao monumento da solidez. Sua dignidade
comove os sensatos, sua benevolência corrige os injustos, sua solidariedade
ampara os fracos.
Sol ou chuva são impotentes à sua resistência, suas raízes se
fortalecem mais à medida que o tempo passa. A serenidade de seus movimentos
contagia, a magnitude de suas formas envaidece o Criador. Seus frutos
imperfeitos espalham pelo mundo defeitos até então inexistentes, não conseguem
reproduzir a fidalguia de suas origens. A gentileza autofágica conspira contra
os anseios mais nobres de uma força poderosa. Um caule marcado pelas agressões
de tantas espécies, pela erosão inclemente da insensatez, da incompreensão, da
ignorância, do imponderável.
Quando o caule e a pele se confundem, as árvores
longevas se misturam às almas santas e lembram pessoas especiais, somente as
mais importantes. Não importa quantas estações elas viveram, seu legado se
assemelha na integridade de seus propósitos. Umas choram lágrimas, outras o
sereno, ambas umedecem terrenos parecidos. A felicidade está naqueles cuja
proximidade de alguma forma permite matar a sede de sabedoria. O terreno fértil à sua volta nem precisa
de muito, basta a contemplação.
É preciso olhar com vivacidade em tempos
devastadores, quando a rotina ceifa os troncos que nos permitem respirar. Não
são muitas as árvores octogenárias, embora haja as que perdurem muito mais. Todas
merecem nosso respeito, mas dediquem às mais expressivas uma pausa maior de seu ócio.
Poderão conhecer uma linda história, de luta, de fibra, de superação. Não se
intimidem ou fujam de sua imponência. Sentem-se sob sua frondosa e magnânima
sombra, escutem o sussurro de seus segredos. Nada poderá trazer maior êxtase
ou relevância em nossa passagem terrena.
E agradeçam por cada um desses preciosos instantes.
Por eles, brindem como ela costuma fazer: À VIDA!
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