sábado, 5 de maio de 2012

Um novo caleidoscópio

Lembrava esses dias do caleidoscópio, objeto perdido nas memórias da minha infância. Interessante a atração por aquela visão embaralhada de cores e formatos, modificada pelo simples girar do eixo principal. Não havia qualquer outro aditivo além da mecânica do movimento e da imaginação fértil do observador. Muitos momentos de total abstração nas imagens multiplicadas pela mutação de figuras dinâmicas. Ocupei boa parte da minha vida viajando naqueles replicantes fragmentos de vidro, tantas fossem as angulações e os reflexos de espelho. Inspirado nesse invento do século XVII, hoje reinvento as cores da minha existência através do giro diário do corpo celeste onde resisto fragmentado. Enquanto a galáxia se movimenta, as noites se estampam numa tela salpicada por minúsculos pontos cujo lume vem de um tempo remoto só agora enxergado. Vagando no silêncio acordamos de sonhos interrompidos ou vivemos pesadelos perpetuados pelo mergulho na escuridão das incertezas. O percurso termina quando cintila a claridade espelhada nas janelas marejadas da alma, impondo a conclusão de mais um ciclo e retomando a aflição do recomeço. Olhar no caleidoscópio do destino gerou um contraponto ao lúdico passatempo de menino. Numa estranha e assustadora morfologia, as figuras do cotidiano impactam as expectativas e desestimulam a tentativa de nova combinação das peças. O refúgio de criança se transformou num desafio perigoso onde tanto a geometria quanto os matizes aprofundam as dúvidas e ameaçam a razão. Distorcido o significado da diversão, as combinações já não ornamentam pelos efeitos visuais, mas confrontam a estética dos sentidos. A simetria dos arranjos repete as sombras de erros capitais e as sobras de imperfeição. A visão caleidoscópica atual mostra homens se apequenando em recorrentes quadros dantescos, distantes do aprimoramento como estive da verdade em minhas projeções infantis. O estímulo da busca por novos padrões se extinguiu, nem há mais felicidade na composição de novas perspectivas. As cores mascaram, os brilhos ofuscam, os traços amedrontam. Novo e velho se confundem na impossibilidade da mudança, espreitando apenas pela oportunidade de ocupar o espaço cobiçado. Os desenhos agora possuem vontade própria, se apresentam num balé hipnótico, agrilhoam mentes e olhos desavisados. Ao se libertarem dos limites do brinquedo, se apossaram dos desígnios de quem observava sem compromisso. Trocaram de posição e nos veem através de um enorme caleidoscópio. Brincam de manipular a humanidade, interferem em nossos caminhos, iludem com a alternância das peças, de acordo com o posicionamento dos astros, conforme a incidência da luz. Justa resignação de meras partículas de vida, nós, de criadores a criaturas.

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