quinta-feira, 3 de maio de 2012

Dor maior de idade



1º de maio de 1994, outro domingo de manhãs alegres. Fazia sol e a rotina das corridas de Fórmula 1 abria a jornada esportiva daquele dia. O Brasil se orgulhava de ter um ídolo mundial entre os pilotos da categoria e acompanhar as provas era quase obrigação de quem gostava do esporte. Aquela etapa de Ímola foi palco de acidentes graves, inclusive com morte, durante os treinamentos. Pairava uma atmosfera sombria no ar, uma sensação de outros problemas na pista. Mas ninguém, muito menos eu, esperava uma tragédia envolvendo o nosso Ayrton Senna da Silva. Em frente à TV eu observei a saída reta do Williams da curva de Tamburello e a pancada nem tão expressiva. As cenas seguintes mudaram a minha expectativa. O tombamento estranho da cabeça do Senna e a inércia a seguir pareceram durar uma eternidade. A interrupção da prova, o socorro e o drama posterior consumiram cada segundo dos admiradores daquele vingador nacional. Ele representava o sucesso brasileiro, ainda que em parceria com máquinas estrangeiras. Aquelas intrincadas simbioses de parafernália mecânica e computadores só alcançavam a perfeição sob a maestria de um gênio nascido em terra brasilis. Essa honra carregávamos no peito, dirigindo junto com o Ayrton em cada ultrapassagem, derrapando e acelerando no limite. Vendo o herói nacional inerte em seu cockpit, apertou o nó na garganta. A alma lavada em vitórias inesquecíveis turvou de repente, enlutada pela trapaça da sorte. Mesmo sem a confirmação eu senti a certeza do desfecho infeliz. Levantei da poltrona, andei até a varanda e, distante centenas de metros, lá estava um vizinho desolado em outra varanda. A cumplicidade do sofrimento brasileiro se pronunciou numa rápida troca de olhares. Abaixamos a cabeça num movimento quase simultâneo, simbolizando dor e respeito. Fui para o Maracanã com o peso do destino em meus ombros. No trajeto a notícia se confirmou após um tempo de esperança cruel e dos estertores da ansiedade. Pela primeira vez um Maracanã lotado por duas torcidas rivais cantou a uníssona homenagem ao mesmo ídolo. A tristeza embargou a voz e encharcou os olhos. Sucederam-se dias de baixo astral e lamentação. O sentimento de perda se assemelhava a um ente querido, afinal o recebíamos em casa domingo sim domingo não. Enfim, já se foram dezoito anos desde aquele trágico dia. A dor completou maioridade sem seguir em frente. De lá para cá jamais assisti outra competição de Fórmula 1. Desde então cumpro esse permanente ato de silêncio. Valeu, Senna.

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