quinta-feira, 1 de março de 2012

O voo do vovô Nenéu




Temos uma missão por aqui, sem dúvida. Mas o desafio maior, o grande mistério, é dar o nó que ata o início ao fim da corda, unindo a ponta de onde viemos ao extremo para onde vamos. Superamos as dificuldades pré-natais, o pós-parto, a tenra infância. Divertimo-nos como podemos, com brinquedos improvisados que fabricamos ou manufaturados que compramos, dependendo das condições. Crescemos, casamos, procriamos. Vivemos com virtudes e defeitos, enfrentamos e contornamos os problemas. Alguns somos vencedores contra a hostilidade do mundo, outros contra o tempo, poucos contra tudo e contra todos. E vem a época em que temos um sopro de vida, às vezes disfarçado de bem estar. É quando assumimos a fragilidade dos passarinhos, somente as penas nos estufam e adornam um corpo esbelto, magro por assim dizer. Deslizamos sobre pés flutuantes, chegamos e saímos sem fazer barulho. Falamos cada vez mais alto, escutamos cada vez mais baixo. Respiramos em ritmo diferente, num compasso especial de quem sobrevoa cada local antes de pousar, na pressa de voltar ao ninho. Planamos ao sabor da vida, buscando a réstia de luz que sinaliza em meio à escuridão. As asas acolhem como sempre, arcadas na medida certa. A envergadura de quem suporta o peso da responsabilidade. A suavidade está na experiência, no domínio do espaço, na imensidão do conhecimento adquirido. Há quem não se gradue, porém absorva informações a vida inteira, multiplicando-as humildemente para quem se habilite a recebê-las. São anônimos professores de diversas especialidades, de natureza distinta, de visão ampliada. Artífices da engenhosidade inata, do talento natural, quando muito autodidatas. Ele foi assim. Além da bela figura humana, impressionava a sua habilidade manual, seu dom de artesão, seu zelo com as ferramentas, o carinho com os relógios, com as esculturas, com as peças em geral. Sua visão espacial indicava um grande engenheiro. Há inúmeras obras de sua perícia e criatividade, várias comigo, vivas eternamente. Chamaram-no de Bigode, de Nenéu, uma de marido, duas de pai, quatro de avô, a maioria de Nílson. Todos o admiraram, mais ou menos, cada qual do seu jeito, os mais explícitos, os mais reservados, todos mais aprendizes, não importa como. O melhor é o ensinamento. Agora que alçou seu voo mais pleno, ilimitado e de reveladora beleza, ele nos enxerga melhor. E nós a ele. Não o vemos mais, embora o imaginemos sorridente e bem humorado como de praxe. Com certeza abordando cada passante em sua trajetória, colaborando com um conselho ou com a alegria de um trocadilho oportuno. Foi assim que o conheci quando me apresentou com singeleza e orgulho a filha que eu desposaria, minha amada companheira até hoje. “Será uma bela história, pois vocês se completam. Você é o Alexandre, minha filha é a Márcia idônea. Alexandre da Márcia-idônea”. Sua marca registrada. Valeu, “Seu” Nílson, desculpe qualquer coisa. Um dia eu também vou virar passarinho, vou aprender a voar e a gente se vê de novo.

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