terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Somos indicados ao Oscar





Não tenho a mínima pretensão, sequer o menor interesse, de tornar esse espaço um cantinho de auto-ajuda, onde as pessoas busquem orientações de como devam viver. Há mais de cinquenta anos tenho encarado o desafio de permanecer vivo, alternando bons e maus momentos, a exemplo de todos os mortais. Como estou longe de me julgar um modelo, desconsidero correr o risco de aconselhar os outros. Cumpro somente a missão de viver o meu papel nesse palco. Dedico meu tempo a fazer um exercício permanente para não deixar a corda esticar, me valendo da experiência adquirida para transitar pelos atalhos descobertos nessa caminhada. Há ocasiões em que, mesmo distante do hemisfério norte, meus dias às vezes se prolongam demais, como se não houvesse noite. Parece acontecer apenas um intervalo, uma pausa para um repouso forçado, intimado pela exaustão do corpo e da mente. Depois acordo por imposição e recomeço tudo de novo. Para minha sorte esses momentos são raros e breves. Em geral saboreio a alegria de estar cercado pela família, de encontrar os amigos, de desanuviar as tensões. As dificuldades não me castigam nem me oneram, se assemelham às sextas-feiras turbulentas, alentadas pelo prenúncio dos sábados e premiadas pela certeza dos domingos. Verdade que esses terminam no surgimento de novas segundas-feiras, quando o filme se reprisa em outras e sucessivas sessões. Se o ingresso está sempre pago, engano a lanterninha do destino do meu jeito. Escolho novas embalagens no baleiro, procuro mudar os sabores e alternar a poltrona. Pequenas alterações disfarçando a repetição cansativa, iludindo a ótica, revelando inéditos pontos de vista. Sigo o caminho através de percursos diferentes, na convicção de que se renasce a cada instante. Quase nem me recordo das matinês dos primeiros domingos do mês, do festival Tom & Jerry, da ansiedade represada em tantas fantasias infantis. Deixei de me restringir às matinês, em sessões multiplicadas, histórias modificadas, personagens substituídos pela realidade dos índios exterminados, dos soldados sacrificados, dos heróis sucumbidos. O enredo da minha infância passou da animação com finais felizes para suspenses e dramas, generosas doses de mistério, alguma comédia, muita expectativa pelo clímax. Ano após ano disputamos estatuetas na premiação da academia de nossa existência cinematográfica. Ela não privilegia diretores ou técnicos de efeitos especiais, dispensa canastrões, aniquila oportunistas. Nesse tempo de indicações ao Oscar da vivência, melhor do que aplaudir, mais do que o papel de meros espectadores, somos atores sempre.

4 comentários:

  1. Maravilhoso texto, doce e sábio... Também tenho evitado repetições em minha vida animada. Abri mão dos efeitos especiais, mas não do amor pelos filmes de aventura.

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  2. Alexandre, seus textos sao fantasticos. Sempre.

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    1. Amelinha, minha inaciana seguidora do Kilimanjaro. Quanto tempo! Grato pela leitura e pelo elogio imerecido.

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