Lembrava esses dias do
caleidoscópio, objeto perdido nas memórias da minha infância. Interessante a
atração por aquela visão embaralhada de cores e formatos, modificada pelo
simples girar do eixo principal. Não havia qualquer outro aditivo além da
mecânica do movimento e da imaginação fértil do observador. Muitos momentos de
total abstração nas imagens multiplicadas pela mutação de figuras dinâmicas.
Ocupei boa parte da minha vida viajando naqueles replicantes fragmentos de
vidro, tantas fossem as angulações e os reflexos de espelho. Inspirado nesse
invento do século XVII, hoje reinvento as cores da minha existência através do
giro diário do corpo celeste onde resisto fragmentado. Enquanto a galáxia se
movimenta, as noites se estampam numa tela salpicada por minúsculos pontos cujo
lume vem de um tempo remoto só agora enxergado. Vagando no silêncio acordamos
de sonhos interrompidos ou vivemos pesadelos perpetuados pelo mergulho na
escuridão das incertezas. O percurso termina quando cintila a claridade espelhada
nas janelas marejadas da alma, impondo a conclusão de mais um ciclo e retomando
a aflição do recomeço. Olhar no caleidoscópio do destino gerou um contraponto
ao lúdico passatempo de menino. Numa estranha e assustadora morfologia, as
figuras do cotidiano impactam as expectativas e desestimulam a tentativa de
nova combinação das peças. O refúgio de criança se transformou num desafio
perigoso onde tanto a geometria quanto os matizes aprofundam as dúvidas e
ameaçam a razão. Distorcido o significado da diversão, as combinações já não
ornamentam pelos efeitos visuais, mas confrontam a estética dos sentidos. A
simetria dos arranjos repete as sombras de erros capitais e as sobras de
imperfeição. A visão caleidoscópica atual mostra homens se apequenando em recorrentes
quadros dantescos, distantes do aprimoramento como estive da verdade em minhas
projeções infantis. O estímulo da busca por novos padrões se extinguiu, nem há
mais felicidade na composição de novas perspectivas. As cores mascaram, os
brilhos ofuscam, os traços amedrontam. Novo e velho se confundem na
impossibilidade da mudança, espreitando apenas pela oportunidade de ocupar o
espaço cobiçado. Os desenhos agora possuem vontade própria, se apresentam num
balé hipnótico, agrilhoam mentes e olhos desavisados. Ao se libertarem dos
limites do brinquedo, se apossaram dos desígnios de quem observava sem
compromisso. Trocaram de posição e nos veem através de um enorme caleidoscópio.
Brincam de manipular a humanidade, interferem em nossos caminhos, iludem com a alternância
das peças, de acordo com o posicionamento dos astros, conforme a incidência da
luz. Justa resignação de meras partículas de vida, nós, de criadores a
criaturas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário