1º de maio de 1994, outro
domingo de manhãs alegres. Fazia sol e a rotina das corridas de Fórmula 1 abria
a jornada esportiva daquele dia. O Brasil se orgulhava de ter um ídolo mundial entre
os pilotos da categoria e acompanhar as provas era quase obrigação de quem
gostava do esporte. Aquela etapa de Ímola foi palco de acidentes graves,
inclusive com morte, durante os treinamentos. Pairava uma atmosfera sombria no
ar, uma sensação de outros problemas na pista. Mas ninguém, muito menos eu,
esperava uma tragédia envolvendo o nosso Ayrton Senna da Silva. Em frente à TV
eu observei a saída reta do Williams da curva de Tamburello e a pancada nem tão
expressiva. As cenas seguintes mudaram a minha expectativa. O tombamento
estranho da cabeça do Senna e a inércia a seguir pareceram durar uma
eternidade. A interrupção da prova, o socorro e o drama posterior consumiram
cada segundo dos admiradores daquele vingador nacional. Ele representava o
sucesso brasileiro, ainda que em parceria com máquinas estrangeiras. Aquelas intrincadas
simbioses de parafernália mecânica e computadores só alcançavam a perfeição sob
a maestria de um gênio nascido em terra
brasilis. Essa honra carregávamos no peito, dirigindo junto com o Ayrton em
cada ultrapassagem, derrapando e acelerando no limite. Vendo o herói nacional
inerte em seu cockpit, apertou o nó
na garganta. A alma lavada em vitórias inesquecíveis turvou de repente,
enlutada pela trapaça da sorte. Mesmo sem a confirmação eu senti a certeza do
desfecho infeliz. Levantei da poltrona, andei até a varanda e, distante
centenas de metros, lá estava um vizinho desolado em outra varanda. A
cumplicidade do sofrimento brasileiro se pronunciou numa rápida troca de
olhares. Abaixamos a cabeça num movimento quase simultâneo, simbolizando dor e
respeito. Fui para o Maracanã com o peso do destino em meus ombros. No trajeto
a notícia se confirmou após um tempo de esperança cruel e dos estertores da
ansiedade. Pela primeira vez um Maracanã lotado por duas torcidas rivais cantou
a uníssona homenagem ao mesmo ídolo. A tristeza embargou a voz e encharcou os
olhos. Sucederam-se dias de baixo astral e lamentação. O sentimento de perda se
assemelhava a um ente querido, afinal o recebíamos em casa domingo sim domingo
não. Enfim, já se foram dezoito anos desde aquele trágico dia. A dor completou
maioridade sem seguir em frente. De lá para cá jamais assisti outra competição
de Fórmula 1. Desde então cumpro esse permanente ato de silêncio. Valeu, Senna.
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