Ontem minha sessão de alcoolterapia
foi no Bar dos Adelos, um lugar aconchegante bem em frente ao Centro
Cultural dos Correios, esse último uma obra de minha gestão quando
dirigente daquela empresa. O bar fica na Travessa do Tinoco, chamada
assim desde 1783. Antes o logradouro se chamava Beco dos Adelos, local
onde os adelos, comerciantes que negociavam objetos e móveis antigos,
faziam seu ponto de encontro e de comércio. A exemplo do beco que mudou
de nome, antes do Centro Cultural naquele prédio histórico da ECT
funcionava a Gerência de Pessoal. No segundo andar, onde nos dias atuais
se encontram exposições maravilhosas, há trinta e cinco anos assinei
meu contrato e minha carteira de trabalho com aquela empresa. No saguão
de entrada, onde vi meu nome listado numa relação de aprovados no
concurso público de 1976, agora vejo meu nome estampado na mesma parede,
numa placa de inauguração do Centro Cultural em 03/08/1993.
Isso
me remeteu a um período inesquecível. Passei mais de um terço da minha
vida trabalhando nos Correios. Lá exerci funções gerenciais em diversos
setores e níveis, a maior parte do tempo ligado à área operacional,
direta ou indiretamente. Era natural que, depois de uma vida lá dentro,
tenha aprendido a admirar aquela instituição e seus funcionários. E
mantenho esse sentimento até hoje.
Nos
dezenove anos passados naquela estatal, aprendi muito com o pessoal da
velha guarda. Juntando à experiência deles os ensinamentos da
universidade, consegui uma carreira de sucesso que me fez chegar ao topo
da organização no âmbito regional. Permaneci na direção regional
carioca nos últimos nove anos dos meus dezenove de empresa. Entretanto,
tenho consciência de que foram os funcionários os verdadeiros artífices
do momento mais importante da história dos Correios, uma revolução para
um salto de qualidade do qual tenho o privilégio e o orgulho de ter
participado com efetividade.
Dirigir
é importante, estratégico e imprescindível, pois o barco precisa de um
timoneiro para determinar o rumo e desviar das ondas inesperadas. Por
outro lado, quem sua a camisa fazendo as rotinas mais desgastantes e
necessárias à sobrevivência das organizações, quem faz as grandes
empresas brilharem ou sucumbirem são os executores. As formigas
operárias da colônia postal, trabalhadoras incansáveis de verão a verão,
não fogem à regra. A esmagadora maioria das organizações resistiria a
um dia, talvez mais, sem o seu CEO. Mas paralisariam e sofreriam
prejuízos irreparáveis, financeiros e de imagem, se lhes faltassem os
executores, os operários, as verdadeiras rodas de sua engrenagem.
Sem
qualquer demérito para tantas outras funções ecetistas, o carteiro é o
símbolo dos diversos operários de correspondências de todos os tipos,
cartas, cartões, telegramas, todos hoje em desuso, e as encomendas que
ainda continuam a ir para lá e para cá. Aprendi a admirar a figura do
carteiro ainda na infância. Àquela época, empertigado em seu uniforme
cáqui, o Lívio entregava as cartas em meu apartamento, no quarto andar
de um prédio sem caixa de correio, sem porteiro e sem elevador. E olha
que eram muitos prédios iguais num conjunto habitacional do IAPC em Del
Castilho.
O
Lívio era uma simpatia. Aguardávamos a sua chegada para receber, dentre
outras, as cartas do meu tio Paulo, oficial da aeronáutica que então
voava pelo mundo. Suas notícias, fotos e novidades eram esperadas com
ansiedade enorme, cada qual com a sua relevância. Para os adultos, a
certeza de que meu tio estava bem; para mim, a viagem pelas letras
realizava os sonhos de menino. Além dos presentes que o meu tio sempre
trazia, eu percorria através das cartas cada um daqueles lugares
inatingíveis, todos só conhecidos nos filmes, nos gibis e nos livros, em
especial os do Júlio Verne. A inspiração me estimulava a pedir
presentes inusitados que iam de arco e flecha genuinamente índigenas a
um bastão de basebol, passando pelo carrinho de carregar jornais de
porta em porta.
A
alegria de receber uma carta transformou o carteiro numa figura mais do
que popular, fez dele um autêntico membro da família. Ajudados por uma
quase inexistente rotatividade de pessoal, todos conhecíamos pelo nome o
carteiro da nossa região. Era comum, em localidades do interior, se
convidar o carteiro para um café, um pedaço de bolo e alguns minutos de
descanso. Não menos comuns as histórias de romances entre esses
peregrinos das notícias e as destinatárias que lhes confidenciavam seus
desamores e decepções em correspondências entregues por eles.
Hoje,
em razão da crescente insegurança e, sobretudo, do avanço da tecnologia
e da fase menos nobre vivida pelos Correios, houve uma queda acentuada
na popularidade recorde da empresa. Salvo raras exceções, seus
principais dirigentes passaram a ser escolhidos na política partidária,
portanto desconhecedores da matéria. Por esse motivo, pouco aparecem em
entrevistas e a organização submergiu de tal forma que passa
despercebida. Por consequência, pouco restou do glamour dos carteiros,
esses profissionais tão bem retratados pelo personagem Dom Pixote, o
cachorro dos desenhos animados. Ironia à parte, por ser o inimigo maior e
habitual perseguidor dos carteiros, o cachorro dos desenhos divulgava a
missão durante sua jornada. Costumava lembrar de forma recorrente o
lema dos carteiros americanos: nem o vento, nem o sol, nem a chuva, nem a
neve, nem as tempestades impedem o carteiro de chegar ao seu destino.
Ainda cantava os versos de “ó querida, ó querida, ó querida Clementina”
enquanto cumpria o seu ofício, buscando escapar das mordidas ferozes dos
cães de sua região.
Enfim,
resolvi escrever para homenagear a empresa que faz parte indissolúvel
da minha vida. Não poderia fazê-lo de maneira mais adequada do que
valorizando todos os profissionais que a fizeram crescer e chegar um dia
ao patamar de mais eficiente estatal do país. Houve um momento de
reconhecimento tão grande pela população que os Correios ficaram à
frente de instituições cuja relevância, investimento e atenção
governamental eram muito maiores. Se hoje os tempos são outros, a fase
romântica permanecerá eternamente em minha memória. Enquanto a
modernidade não inventar o transportador molecular, pelo menos as
encomendas serão entregues pelos carteiros. E, seja como for, nunca me
esquecerei das alegrias, das tristezas, dos amores ou dos desamores
transportados em envelopes. Eles eram transmitidos de todo o planeta
pelas milhares de palavras protegidas pelo carteiro, que simboliza o
elenco de valorosos profissionais da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos. Mesmo não sendo 25 de janeiro (Dia do Carteiro) nem 20 de
março (Dia da Fundação da ECT), cabe a homenagem. Afinal, eles trabalham
todos os dias em nossas lembranças.