Andei afastado e aproveitei para amolar
a faca para não perder o fio. A fé permanece inalterada. O ano já engoliu uma
quinzena e o ralo dos nossos dias continua com a goela escancarada, abocanhando
torrentes. Enquanto isso, não menos torrencialmente, as novidades do álbum de
2012 se restringem a figurinhas repetidas. Nada mais previsível do que as
catástrofes da incompetência remunerada, da desumanidade explícita, da
imobilidade corrupta. As chuvas caem e destroçam vidas com a força da rotina, o
poder público usa as águas para lavar as mãos como Pilatos. Afoga-se a
esperança em dias melhores, arrastando-a pela correnteza em rede nacional. As
vítimas mudam de nome, os locais nem sempre. As desculpas e as promessas se
revezam nas caras e bocas da hipocrisia. Não me surpreenderia o esclarecimento de
que os impostos sobem para fugir do nível da água. Pior, as verbas alocadas
para a prevenção percorreram um caminho indevido e repousam nos colchões dos
deitados eternamente em berço esplêndido. A mãe natureza cobra um preço antigo
e anunciado. A natureza humana também. Ilimitados interesses escusos,
escaramuças engendradas em gabinetes, dão vazão a caudalosos rios de lágrimas.
Por que beber nessa fonte amaldiçoada, como justificar algum benefício trocado
pela desgraça de tantos inocentes? Quantos crimes cometidos com a frieza dos calculistas
profissionais, dos burocratas insensíveis, dos comerciantes da miséria alheia? E nada acontece com eles, ano após ano, gestão
após gestão, tragédia após tragédia. O choro anônimo das famílias dilaceradas
não os comove. Há um distanciamento protocolar, um semblante impassível para
cada morte, uma falta absoluta de consciência. Transfere-se a culpa, altera-se
o sentido, deturpa-se o fato. Afinal, todos sabemos da impossibilidade de se
prever tamanha concentração pluviométrica. Nessa época, já nos acostumamos com
a precipitação esperada em um mês ocorrer em alguns dias. É assim e pronto. O
resto faz parte do sensacionalismo da imprensa e da difamação costumeira de
gente tão proba. Bem que a justiça divina poderia vitimá-los nesses episódios.
A dos homens não me parece atenta aos acontecimentos recorrentes. Nem quando
vai às urnas.
P.S.: Hoje faz um ano da perda de
um inconformado com essas injustiças cometidas por aqui. Renato, meu inesquecível
e querido amigo, tenho certeza de sua campanha contra isso tudo junto à rapaziada
daí. Ajude a não deixarmos a peteca cair diante de tanta desilusão. Um grande e
saudoso abraço.
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