domingo, 5 de maio de 2013

Coisas inexplicáveis

Há coisas inexplicáveis, sempre, umas mais e outras menos. Como entender que um voo do Rio a Belo Horizonte leve quarenta minutos e do aeroporto de Confins até a Pampulha se leve cinquenta minutos? Se você perder o ônibus executivo das 7:45 no aeroporto de destino, ainda restará esperar por mais quarenta minutos pelo próximo. Teremos então quarenta minutos de voo, quinze de desembarque, quarenta de espera pelo ônibus, cinquenta de percurso dentro da cidade. Para pegar o avião no Tom Jobim às 6:25 preciso me levantar às 4:30, sair de casa às 5:30 e chegar em cima da hora do embarque, com o check in já impresso em casa. Acordar às 4:30 de uma segunda-feira e chegar ao trabalho às 9:00. Não é a melhor maneira de iniciar a semana.
Outra coisa interessante é a maneira cativante dedicada pela companhia aérea aos seus passageiros, em especial aos mais fiéis. Você compra de um a dois bilhetes por semana e, caso precise remarcar o voo por alguma necessidade extrema, de agenda ou de doença, paga de multa o valor da passagem. Se cancelar, perde a passagem, mas paga a mesma multa pelo cancelamento. Não é um case de marketing? As empresas rodoviárias oferecem excelente conforto num ônibus-leito, no qual se dorme profunda e tranquilamente a noite inteira. Ao contrário de suas concorrentes de asas, os bilhetes rodoviários têm validade por um ano e podem ser remarcados durante esse período sem qualquer ônus. O valor das passagens de ônibus-leito e de avião é praticamente o mesmo.
Mas o fenômeno do melhor tratamento ao consumidor não se restringe às companhias aéreas. Resolvi comprar uma TV para presentear minha mãe no Dia das Mães. Uma rápida pesquisa pela internet me remeteu às Casas Bahia. Um preço interessante por um produto de marca confiável numa empresa de renome. Uma trinca de ases. Blefe puro. Paguei com um cartão de crédito de bandeira forte, com saldo quatro vezes maior do que o necessário. A compra foi recusada um dia depois sob a alegação de que a administradora do cartão negara. Ao contestar a informação, após me certificar com a administradora de que sequer houvera um contato, mudaram a versão. Alegaram uma inconsistência em meus dados que não podiam me informar. Coincidência ou não, nesse meio tempo, para ser preciso da noite para o dia, o produto que eu comprara por R$ 2.100,00 passou para R$ 3.400,00. Curioso, não?
Acometido de patologia que cogitei ser dengue, em virtude dos sintomas bastante compatíveis, na última quinta-feira procurei em Belo Horizonte um pronto atendimento da Unimed, por cujo plano pago um valor considerável. Logo encontrei um prédio suntuoso, recém-inaugurado. Após retirar uma senha dando conta de um prazo previsto de uma hora, aguardei por duas horas e meia para que um médico me examinasse. Esse é o país da ética, da justiça, da moral e dos bons costumes, que vem sendo construído em bases sólidas por décadas de administração profícua e incorruptível. Entra governo e sai governo, as gestões públicas dão os melhores exemplos aos cidadãos, às crianças em formação e a todos os setores de como se procede. O reflexo dessa cultura se vê no dia a dia, pois jamais sabemos, seja na área pública ou privada, de um escândalo de propinas, desvio de recursos ou malversação de verbas. Além disso, temos a satisfação incomparável do eficiente e extremado atendimento nas filas da saúde, da previdência, da educação ou de qualquer outro serviço de primeira necessidade.
Obrigados a agir sob conduta semelhante à oferecida pelos órgãos públicos, os serviços privados primam pela excelência na atenção aos seus clientes. O consumidor, assim como o cidadão, é tratado como um verdadeiro rei. Induzidos, os cidadãos se tratam entre si da mesma forma, com cortesia, honestidade e benevolência. Afinal, já dizia o profeta antes de existir o 3G, “gentileza gera gentileza”. Ainda bem. Em breve mostraremos ao mundo como temos orgulho do Brasil. Nos eventos internacionais de grande porte vamos apresentar ao planeta o nosso jeito de fazer as coisas. Coisas inexplicáveis.


domingo, 28 de abril de 2013

Cartas, cartões e telegramas



Ontem minha sessão de alcoolterapia foi no Bar dos Adelos, um lugar aconchegante bem em frente ao Centro Cultural dos Correios, esse último uma obra de minha gestão quando dirigente daquela empresa. O bar fica na Travessa do Tinoco, chamada assim desde 1783. Antes o logradouro se chamava Beco dos Adelos, local onde os adelos, comerciantes que negociavam objetos e móveis antigos, faziam seu ponto de encontro e de comércio. A exemplo do beco que mudou de nome, antes do Centro Cultural naquele prédio histórico da ECT funcionava a Gerência de Pessoal. No segundo andar, onde nos dias atuais se encontram exposições maravilhosas, há trinta e cinco anos assinei meu contrato e minha carteira de trabalho com aquela empresa. No saguão de entrada, onde vi meu nome listado numa relação de aprovados no concurso público de 1976, agora vejo meu nome estampado na mesma parede, numa placa de inauguração do Centro Cultural em 03/08/1993.
Isso me remeteu a um período inesquecível. Passei mais de um terço da minha vida trabalhando nos Correios. Lá exerci funções gerenciais em diversos setores e níveis, a maior parte do tempo ligado à área operacional, direta ou indiretamente. Era natural que, depois de uma vida lá dentro, tenha aprendido a admirar aquela instituição e seus funcionários. E mantenho esse sentimento até hoje.
Nos dezenove anos passados naquela estatal, aprendi muito com o pessoal da velha guarda. Juntando à experiência deles os ensinamentos da universidade, consegui uma carreira de sucesso que me fez chegar ao topo da organização no âmbito regional. Permaneci na direção regional carioca nos últimos nove anos dos meus dezenove de empresa. Entretanto, tenho consciência de que foram os funcionários os verdadeiros artífices do momento mais importante da história dos Correios, uma revolução para um salto de qualidade do qual tenho o privilégio e o orgulho de ter participado com efetividade.
Dirigir é importante, estratégico e imprescindível, pois o barco precisa de um timoneiro para determinar o rumo e desviar das ondas inesperadas. Por outro lado, quem sua a camisa fazendo as rotinas mais desgastantes e necessárias à sobrevivência das organizações, quem faz as grandes empresas brilharem ou sucumbirem são os executores. As formigas operárias da colônia postal, trabalhadoras incansáveis de verão a verão, não fogem à regra. A esmagadora maioria das organizações resistiria a um dia, talvez mais, sem o seu CEO. Mas paralisariam e sofreriam prejuízos irreparáveis, financeiros e de imagem, se lhes faltassem os executores, os operários, as verdadeiras rodas de sua engrenagem.
Sem qualquer demérito para tantas outras funções ecetistas, o carteiro é o símbolo dos diversos operários de correspondências de todos os tipos, cartas, cartões,  telegramas, todos hoje em desuso, e as encomendas que ainda continuam a ir para lá e para cá. Aprendi a admirar a figura do carteiro ainda na infância. Àquela época, empertigado em seu uniforme cáqui, o Lívio entregava as cartas em meu apartamento, no quarto andar de um prédio sem caixa de correio, sem porteiro e sem elevador. E olha que eram muitos prédios iguais num conjunto habitacional do IAPC em Del Castilho.
O Lívio era uma simpatia. Aguardávamos a sua chegada para receber, dentre outras, as cartas do meu tio Paulo, oficial da aeronáutica que então voava pelo mundo. Suas notícias, fotos e novidades eram esperadas com ansiedade enorme, cada qual com a sua relevância. Para os adultos, a certeza de que meu tio estava bem; para mim, a viagem pelas letras realizava os sonhos de menino. Além dos presentes que o meu tio sempre trazia, eu percorria através das cartas cada um daqueles lugares inatingíveis, todos só conhecidos nos filmes, nos gibis e nos livros, em especial os do Júlio Verne. A inspiração me estimulava a pedir presentes inusitados que iam de arco e flecha genuinamente índigenas a um bastão de basebol, passando pelo carrinho de carregar jornais de porta em porta.
A alegria de receber uma carta transformou o carteiro numa figura mais do que popular, fez dele um autêntico membro da família. Ajudados por uma quase inexistente rotatividade de pessoal, todos conhecíamos pelo nome o carteiro da nossa região. Era comum, em localidades do interior, se convidar o carteiro para um café, um pedaço de bolo e alguns minutos de descanso. Não menos comuns as histórias de romances entre esses peregrinos das notícias e as destinatárias que lhes confidenciavam seus desamores e decepções em correspondências entregues por eles.
Hoje, em razão da crescente insegurança e, sobretudo, do avanço da tecnologia e da fase menos nobre vivida pelos Correios, houve uma queda acentuada na popularidade recorde da empresa. Salvo raras exceções, seus principais dirigentes passaram a ser escolhidos na política partidária, portanto desconhecedores da matéria. Por esse motivo, pouco aparecem em entrevistas e a organização submergiu de tal forma que passa despercebida. Por consequência, pouco restou do glamour dos carteiros, esses profissionais tão bem retratados pelo personagem Dom Pixote, o cachorro dos desenhos animados. Ironia à parte, por ser o inimigo maior e habitual perseguidor dos carteiros, o cachorro dos desenhos divulgava a missão durante sua jornada. Costumava lembrar de forma recorrente o lema dos carteiros americanos: nem o vento, nem o sol, nem a chuva, nem a neve, nem as tempestades impedem o carteiro de chegar ao seu destino. Ainda cantava os versos de “ó querida, ó querida, ó querida Clementina” enquanto cumpria o seu ofício, buscando escapar das mordidas ferozes dos cães de sua região.
Enfim, resolvi escrever para homenagear a empresa que faz parte indissolúvel da minha vida. Não poderia fazê-lo de maneira mais adequada do que valorizando todos os profissionais que a fizeram crescer e chegar um dia ao patamar de mais eficiente estatal do país. Houve um momento de reconhecimento tão grande pela população que os Correios ficaram à frente de instituições cuja relevância, investimento e atenção governamental eram muito maiores. Se hoje os tempos são outros, a fase romântica permanecerá eternamente em minha memória. Enquanto a modernidade não inventar o transportador molecular, pelo menos as encomendas serão entregues pelos carteiros. E, seja como for, nunca me esquecerei das alegrias, das tristezas, dos amores ou dos desamores transportados em envelopes. Eles eram transmitidos de todo o planeta pelas milhares de palavras protegidas pelo carteiro, que simboliza o elenco de valorosos profissionais da  Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Mesmo não sendo 25 de janeiro (Dia do Carteiro) nem 20 de março (Dia da Fundação da ECT), cabe a homenagem. Afinal, eles trabalham todos os dias em nossas lembranças.

sábado, 20 de abril de 2013

Una lição de vida

Tive a oportunidade de assistir em Belo Horizonte um stand up de um comediante local, com alguma repercussão nacional, embora pequena. Trata-se do Ceguinho, como se autointitula o mineiro Geraldo Magela. Em Minas Gerais ele é bem conhecido, pelos shows apresentados em todo o estado. Além de bastante espirituoso e com um timing típico dos humoristas experientes, o Geraldo compõe uma personagem riquíssima.
Conheci o Magela há algum tempo, numa entrevista sobre futebol. A peculiaridade dizia respeito à sua presença no Mineirão acompanhando um jogo. Segundo ele, estar no estádio e vivenciar o ambiente da partida, a reação dos torcedores, as vibrações, trazem uma emoção que o rádio ou a TV não permitem. Muito lógico. Seu comportamento no palco transmite a mesma especial maneira de encarar as dificuldades do deficiente visual. O bônus vem com o tratamento das restrições de uma forma muito bem humorada. Ele faz uma sátira dos inúmeros senões enfrentados com pessoas, logradouros públicos e situações diversas, tudo fruto do despreparo no trato com pessoas diferentes.
O Magela vai além, agrega ao show outra personagem muito especial, Caquinho Big Dog, também humorista local. Caquinho é um deficiente físico, cadeirante, dono de um excelente senso de humor, bom cantor e músico. Ele sustenta com maestria o ritmo do stand up na segunda parte da apresentação, não permitindo a queda do nível de qualidade. Até o fim do espetáculo a qualidade se mantém.
Ainda há uma drag queen, Nayla Brizardi, fazendo o papel de mestre de cerimônias, numa participação menor, nem por isso inexpressiva. Com a caracterização exagerada do perfil, mexe com a plateia, agita o público e eleva o astral para os dois humoristas entrarem em cena num clima adequado.
Nada disso seria muito novo, salvo a especificidade dos tipos. Minorias alvejadas por barreiras físicas, urbanas, sociais e/ou psicológicas, as três personagens esbanjam alegria de viver. Mais do que transporem seus obstáculos do dia a dia com dignidade e sorriso nos lábios, compartilham esse elevado estado de ânimo com espectadores ou ouvintes, dependendo do momento. No caso do Ceguinho e do Caquinho, transmitem a pessoas não portadoras de deficiência a mensagem de que a vida é melhor do que se imagina, basta usufruí-la da melhor forma.
Saí do show com o fígado desopilado, como se diz, depois de muitas gargalhadas. Entretanto, se rir é o melhor remédio, faz um bem enorme a sensação de ter recebido uma lição de vida. Foi assim que me senti depois de conhecer essas sensacionais figuras humanas.  

sábado, 13 de abril de 2013

O fim do mundo





Nada melhor do que um dia após o outro. A Terra suporta suplícios século após século, pagando o preço do desenvolvimento imposto pela humanidade. O homem, sequioso de mais e mais, mesmo quando dispensável, ignora os princípios fundamentais da sobrevivência, se não a dele em particular, da raça em geral. Os descaminhos passam pelo uso desequilibrado das fontes de energia, da água que bebemos, do solo em que plantamos, do ar que respiramos.
Impotente diante dos ataques irresponsáveis sofridos, o planeta azul se contorce nos estertores das mudanças. A fúria da natureza aumenta de maneira gradativa e implacável, devolvendo aos agressores as torturas de tanto tempo. As tempestades, no mar, na terra e no ar, devastam cidades grandes, médias ou pequenas, deixando um rastro de destruição com jeito de retaliação. Longe de atacar sem motivo, a orbe reage como um colossal animal acuado, lutando para manter o restante de suas forças.
As catástrofes naturais ocorridas em diversas partes do mundo, os extremos do clima, as convulsões cataclísmicas sinalizam com insistência mais frequente. As vítimas aumentam, mas falta reflexão e revisão de atitudes. Pouco se muda nas rotinas industriais, no comportamento individual e nos hábitos coletivos. Segue a vida com a certeza inabalável de que tudo é eterno enquanto dura, de que o nosso fim sempre estará mais próximo do que o das demais coisas a nos cercarem.
Um dia a casa cairá, ninguém sabe quando. Portanto, todos blefamos, geração após geração, lavando as mãos na suposição de ter um jogo mais forte. A Terra, jogadora experiente, chora lágrimas quase tão secas quanto o leito dos rios maltratados. Revolve suas entranhas e expulsa uma acidez perversa, num refluxo ameaçador qual a lava do Etna. Lá na Sicília, com um poder maior do que a máfia, o vulcão mais alto da Europa avisa ao despertar. Aliás, tem despertado mais e em menor intervalo, colocando em alerta a população local e outras centros no entorno, dificultando a circulação por rodovias e aerovias.
As convulsões deixaram de ser apenas econômicas, políticas, religiosas e sociais. As guerras santas, ideológicas ou raciais sucumbirão aos efeitos de uma eclosão telúrica, verdadeiro arrastão de causas naturais. Ainda que as placas tectônicas e as manifestações da crosta terrestre independam, a princípio, das mesmas origens, respondem com a voz rouca do desagravo.  Das cinzas não renascerá um novo habitat.  Por parecer perdida essa luta, devemos nos resignar à espera do último round. Ou não?   

sábado, 6 de abril de 2013

Quem são os animais irracionais?





Através dos séculos, diz a máxima que os gatos possuem sete vidas, tornando-os felizes privilegiados de seis oportunidades de retomada que outras espécies não dispõem. Na prática, a natureza desconfiada e peculiar dos gatos, a suavidade de suas passadas, a rapidez de reação diante do inusitado, a flexibilidade de seus movimentos explicam os escapes conseguidos. Favorecidos por esse comportamento, ainda que sejam obrigados a iniciarem suas quedas de costas, terminam apoiados nas quatro patas.
Afora a crendice popular e a agilidade felina, a milenar sabedoria dos ditados nos propõe interpretar seus sinais com mais atenção. Ao contrário, a humanidade parece decidida a abreviar sua trajetória já exígua por aqui. As atitudes tresloucadas do ser humano sugerem uma crescente perda de noção das graves conseqüências de atos insanos. Há uma declarada conspiração contra o bem mais precioso sob a nossa guarda: a vida. Risível imaginar tais atitudes como defesa da existência, como luta pela sobrevivência. Seria cômico não fosse trágico.
As pessoas estão muito estressadas pelos problemas particulares, pelas agruras da vida, pela desigualdade, pela injustiça, pela imperfeição do mundo. Ao reagirem, contra tudo e contra todos, se mostram cada vez mais surpreendentes, mais intempestivas, mais instintivas, portanto, mais animais. Não raro nos deparamos com situações inacreditáveis, imagens chocantes nos obrigando a uma reflexão maior sobre o rumo tomado pelas coisas. Precisamos estancar a sangria ou estaremos fadados a um triste desfecho, muitos ou todos, mesmo se não formos protagonistas dos confrontos.
Esse foi o caso do ônibus que despencou do viaduto no Rio de Janeiro. Ao saber do acidente, de imediato procurei informações sobre a namorada do meu filho. Ela não gosta de dirigir, mora na Ilha do Governador e estuda no centro da cidade, pelo horário era potencial candidata a estar naquele transporte. Para o meu alívio, não estava. Mas, poderia ter sido uma das inocentes vítimas do assustador enredo cuja violência até agora não consegui entender. Além de muitos feridos, sete vidas se perderam, expressão a nos remeter aos gatos outra vez. Com certeza eles não atacariam o motorista de um veículo em movimento. E, se estivessem no volante, não desviariam a atenção antes de parar o veículo.
Quase simultaneamente, em outro ponto do Rio, também num transporte coletivo, três desatinados se apoiaram na impunidade de casos anteriores e se valeram da insegurança reinante para agredirem homens e violentarem mulheres, incautos daqui e do exterior. Se aos estupradores da van podemos atribuir o rótulo de marginais desprovidos de qualquer resquício humano, o que dizer do estudante universitário que atacou o motorista do ônibus? E de tantos outros protagonistas de desvarios no trânsito, nos shoppings, nos bancos, nos estádios de futebol, nas escolas, enfim, na cena cotidiana em geral, cosmopolita ou não.
Afinal, quem são os animais irracionais?


domingo, 31 de março de 2013

Cúmplices




Fomos cúmplices em tudo na vida,
em desventuras, em golpes de sorte,
não é justo supor coincidência
se a prosa toma o rumo da morte.
Superei os cinqüenta e dois,
mas perdemos um grande amigo.
Meu sofrer então não foi pouco
e você sofreu junto comigo.
Aos cinqüenta e dois você foi,
me deixando pra trás no caminho.
Mesmo tendo os sentidos alertas,
está difícil a jornada sozinho.
Nosso tempo, tão compartilhado,
passa agora em enganos diversos,
se arrasta na melancolia
ou escapa na rima dos versos.
Acostumo com a dor da saudade,
que me vira do lado contrário.
Cinco meses após lhe perder,
vem seu dia de aniversário.
Há quem diga “deixou de existir,
contra os fatos não há argumento”.
Mas discordo, não vou lhe banir,
brindaremos em cada momento.
Passo a Páscoa da ressurreição,
do comércio dos vinhos e ovos,
no alento do nosso refúgio,
nossos filhos, amores mais novos.
Se com eles lhe sinto presente,
nas feições, na emoção dividida,
só aumento uma antiga certeza,
fomos cúmplices em tudo na vida.


domingo, 24 de março de 2013

A vez da Nena




Os desígnios do destino estão agressivos nas escolhas de quem me rodeia. Seria hipócrita não aceitar que o espetáculo abre e fecha cortinas todos os dias, não importa o horário, o humor e a capacidade de aplaudir, chorar ou rir. Tudo bem. Tenho plena consciência disso desde que me entendo por gente. Mas, os Cavaleiros do Apocalipse têm cavalgado nessa direção com muita voracidade, com uma insaciável sede de beber mais e mais, numa volúpia avassaladora. Em pouco mais de um ano, em especial nos últimos meses, arrebataram personagens importantes da minha vida, ignorando as regras da faixa etária, da predileção, enfim, do perfil a se adotar.
Agora foi a Nena, de uma forma abrupta, mais do que inesperada, ceifando sua família de uma esposa querida, mãe dedicada, esteio de marido e filho inconsoláveis com toda a razão. As sutilezas dessa partida começam com uma vinda minha ao Rio na última quarta-feira, para comparecer a uma audiência que acabou adiada para maio. Na quinta-feira reagendei meus compromissos para aproveitar minha estada por aqui, quando fui colhido de surpresa pela informação de um mal súbito que acometera a Nena. Daí para o desfecho foi necessário pouco mais de um dia. Portanto, vim para me despedir dela. Em Belo Horizonte estava mais distante, agora ficou muito mais.
Conheci a Maria José, Nena para os mais próximos, há alguns anos. Tive o privilégio de contratá-la para ser uma nova colaboradora na empresa e com o tempo ela passou a ser minha amiga. Não desfrutamos de um convívio maior fora do trabalho, embora mesmo à distância observasse uma mulher de muita fibra. Coração de uma família modesta e feliz, ela conseguiu estruturá-la de maneira exemplar. Trabalhando com dedicação e dividindo o seu tempo com os familiares, sempre soube contornar seus problemas com sabedoria. De honestidade e fidelidade a toda prova, bondade, sensibilidade e generosidade incomuns, contagiava a todos com sua fé e seu otimismo. Possuía uma palavra amiga para todas as dificuldades. Contudo, o seu coração enorme fraquejou de repente e ela nos privou de suas virtudes.
Sua passagem por aqui não foi em vão, certamente. A forma diferente de se conduzir deixará sementes importantes, além da saudade inevitável. As palavras para esses momentos escapam entre lembranças e questionamentos. O que nos resta, para variar, é seguir em frente. O elenco vai se renovando, porém a peça continua em cartaz. Nesse 23/03/13, ao se abrirem as cortinas do horizonte, os primeiros e insistentes raios de sol não conseguiram iluminar o palco. Desde a véspera, à noite, a natureza choveu as lágrimas de sua perda. O sábado amanheceu cinzento e acabrunhado. Faltava aquele sorriso cheio de simpatia e disposição. Imagino que Ele estivesse precisando mais de você do que nós. Siga em paz o seu novo caminho. Não se esqueça de dar um beijo na Márcia e de fazer um afago na Naná, no Popó, no Scottie e na Princesa. E, por favor, diga que tenho muita saudade de todos. Inclusive de você. Valeu, Nena.   
P.S.: Embora não professássemos a mesma fé, escolhi um vídeo de música gospel. Cântico da sua religião, seu gosto musical em sua fé inabalável. Estou certo lhe agradaria ouvir agora.